Por: Gabriel Rattes

Três Rios: carnes estragadas não poderiam se tornar ração

O produto ficou submerso nas enchentes registradas no Rio Grande do Sul em 2024 | Foto: Divulgação/Polícia Civil RJ

Por Gabriel Rattes

Os Policiais Civis da Delegacia do Consumidor (Decon) prenderam, no dia 22 de janeiro, quatro pessoas acusadas de comercializar carne imprópria para o consumo em Três Rios. Segundo informações da "Operação Carne Fraca", a empresa Tem Di Tudo Salvados adquiriu 800 toneladas de carne bovina estragada, que ficou submersa por muitos dias nas enchentes de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul (RS), em 2024. A empresa teria alegado aos produtores gaúchos que transformaria o conteúdo em ração animal, mas as investigações apontaram que as carnes estavam sendo vendidas para açougues e mercados. Entretanto, será que as carnes contaminadas poderiam ser utilizadas para produção de ração animal? Procuramos uma médica veterinária, doutora em higiene e inspeção de alimentos para entender sobre o assunto.

De acordo com a profissional Camila Sampaio Cutrim, que também é professora da Universidade Estácio de Sá, o uso de carnes submersas em enchentes, como as ocorridas no Rio Grande do Sul, seria inadequado para a produção de ração animal. "Com base na Instrução Normativa número 4 de 2007 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o uso seria inadequado devido a vários fatores relacionados à segurança alimentar e à qualidade das matérias-primas. Nenhum ingrediente ou matéria-prima que contenha parasitas, microrganismos, substâncias tóxicas ou estranhas, que não possam ser reduzidas a níveis aceitáveis durante o processo de industrialização, deve ser aceito pelos estabelecimentos produtores", afirmou a médica veterinária.

A normativa do Governo, aprova o Regulamento Técnico sobre as condições higiênico sanitárias e de boas práticas de fabricação para estabelecimentos fabricantes de produtos destinados à alimentação animal. São estabelecidos os requisitos aplicáveis aos ingredientes e matérias-primas utilizados na produção de alimentos para animais.

Camila explica que as carnes submersas em enchentes estão expostas a altos níveis de contaminação biológica (como bactérias, fungos e parasitas), química (como óleos, combustíveis e resíduos industriais presentes na água) e física (como detritos ou partículas). "Essas contaminações podem comprometer a inocuidade dos produtos destinados à alimentação animal, tornando-os impróprios para o consumo. Além disso, o mesmo item reforça que o produto final deve atender aos padrões de identidade e qualidade específicos, o que inclui garantir a ausência de riscos à saúde dos animais que consumirão a ração. O uso das carnes que estiveram submersas, após 8 meses do ocorrido dificilmente atenderia a esses padrões, mesmo com processos de tratamento térmico na fabricação de rações", explicou.

"Dessa forma, em conformidade com o regulamento técnico, é imperativo que os fabricantes de ração animal assegurem a origem, a qualidade e a inocuidade de todas as matérias primas utilizadas. Carnes expostas a enchentes como o ocorrido não oferecem essas garantias e, portanto, devem ser descartadas de maneira segura, respeitando as normas ambientais e sanitárias aplicáveis", completou Cutrim.

Prisão preventiva decretada

Nesta última sexta-feira, dia 24 de janeiro, a Justiça do Rio de Janeiro converteu em prisão preventiva a prisão dos quatro homens detidos em flagrante. Entre os presos está um dos donos da empresa, Almir Jorge Luís da Silva. Em entrevista coletiva à imprensa, na última semana, o delegado Wellington Vieira afirmou que as carnes totalmente deterioradas foram revendidas como se fossem carnes próprias para consumo. De acordo com as investigações, que contaram com o apoio da Decon do Rio Grande do Sul, o grupo vendeu a carne para outras empresas, obtendo lucro de mais de 1.000%.

O delegado ainda afirmou que o valor das carnes em estado próprio para consumo está avaliado em R$ 5 milhões, entretanto a empresa teria comprado por R$ 80 mil após elas terem sido atingidas pelas enchentes no RS. Também foi informado que as investigações começaram depois que a empresa gaúcha, que produziu a mercadoria, identificou que o lote das carnes vencidas vendido à empresa Tem Di Tudo Salvados, estava sendo comercializado em outros estabelecimentos como se fosse carne própria para consumo.

A equipe do jornal Correio Petropolitano tentou contato com a empresa, entretanto, não obtivemos resposta.