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Tecnologia mostra os dois lados da moeda em ambientes virtuais

Normas penais estão sem especificação para tecnologias como a IA | Foto: Reprodução

Por Ana Luiza Rossi

Em um mundo digitalizado, no qual as Inteligências Artificiais (IAs) tomam parte do nosso dia a dia, os benefícios pelo fácil acesso a essas ferramentas e, ao mesmo tempo, a capacidade desastrosa de usar esses recursos para infringir leis é uma linha cada vez mais tênue.

Na região Sul Fluminense, por exemplo, moradores de Resende viram de perto o estrago que a Internet pode provocar. No dia 23 do mês passado, alunas de uma escola particular do município, no sul do Estado, foram constrangidas após outros colegas da mesma sala divulgarem fotos manipuladas por IA. As nove alunas, que tiveram fotos íntimas falsas divulgadas, tinham entre 14 e 15 anos, e o caso chegou até a Polícia Civil para investigação por fake news e exposição vexatória.

A ação é considerada criminosa. De acordo com o Código Penal, o registro de conteúdo com cenas de nudez ou ato sexual de caráter íntimo, sem autorização dos participantes, pode levar à detenção de um a seis meses.

O advogado e especialista em ciências penais, Vitor Fidelis, vai mais longe e deixa claro que, apesar do ordenamento jurídico ter previsões sobre criminalizar montagens de foto, vídeo, áudio para incluir alguém em cena de sexo ou nudez, a norma penal ainda enfrenta críticas de juristas por não conter especificadamente a utilização de tecnologias, como IA.

"Visando sanar esta lacuna, há em tramitação no Congresso Nacional o projeto de lei. [...] A punição poderá ser agravada para o dobro se envolver vítima menor de 18 anos; e para o triplo se o material produzido for divulgado em redes sociais ou por aplicativos de mensagens", afirmou.

O peso emocional

Mas, para além dos impactos jurídicos, há os emocionais. Esse tipo de exposição pública e invasiva é considerada como cyberbullying, como explica a psicóloga clínica Marilza Oliveira.

"Esse tipo de exposição pode ter impactos emocionais e psicológicos muito graves nas vítimas ao se sentirem permanentemente expostas, apresentando um quadro de ansiedade elevadíssimo, sentimentos de vergonha e baixa autoestima. Em casos extremos, o cyberbullying pode levar a vítima ao isolamento social, queda no desempenho acadêmico e até mesmo a pensamentos suicidas", explicou a psicóloga, acrescentando ser necessário colocar em pauta este tipo de psicoeducação.

Conversas manipuladas

Como afirma a expressão popular, o buraco é bem mais em baixo. Uma outra ferramenta que Inteligência Artificial permite é forjar conversas online, como por exemplo, a troca de mensagens pelo WhatsApp.

O artifício ganhou notoriedade depois de uma tragédia ocorrida na capital mineira, envolvendo uma jovem e o o humorista piauiense Whindersson Nunes. Foram divulgadas, no ano passado, um print de uma suposta mensagem que teria sido trocada entre eles, sugerindo os dois tinham um relacionamento. Com a projeção da notícia, a jovem passou a ser alvo de uma enxurrada de críticas porque estaria se relacionando com o humorista. Era falsa a informação.

O mais trágico é que algumas pessoas chegaram a incitar a jovem a se matar e o fato foi concretizado: em dezembro de 2023, ela tirou a própria vida. O caso então passou a ser investigado pela polícia e teve uma revelação inusitada: a própria jovem havia forjado as conversas e feito toda a divulgação por meio de perfis falsos em páginas de entretenimento. Esse é mais um dos fatos que teve um final catastrófico e chegou a conhecimento público. Isso não inclui, infelizmente, outros tanto que ocorrem em mundo onde a lei ainda está sendo colocada em prática.

Ética no uso da IA

No entanto, ainda é difícil buscar uma integridade ética no tema, já que o uso dessas ferramentas é para, literalmente, o uso de qualquer um. Para identificação dos conteúdos falsos o engenheiro de software, Girlan Menezes, explica que existe um serviço de validação que identifica se foi um conteúdo adulterado por IA, mas afirma que não são totalmente eficazes.

"Conteúdos semelhantes podem ser criados por diferentes sistemas de IA, dificultando a precisão da detecção. Essa limitação ressalta a necessidade de avanços tecnológicos e de normas mais robustas para garantir a integridade e a responsabilidade em seu uso", completou. Ou seja, na dúvida, vá pelo velho caminho: buscar a fonte.

Para todos os efeitos, quando há sequelas emocionais e financeiras, as vítimas desses crimes digitais devem procurar a delegacia mais próxima e realizar o boletim de ocorrência, como orienta o advogado Vitor Fidelis.

"A Inteligência das Polícias Civil e Federal possuem diversos mecanismos de seguir os "rastros" de compartilhamento e chegar até o divulgador. [...] Quando identificado o agente que realizou a montagem ou a divulgação nas situações acima mencionadas, a vítima poderá buscar um indenização civil pelos danos morais causados pelo agressor, uma vez que este tipo de crime tem intensa e instantânea repercussão social", disse.