Uso de celular vira desafio para os pais e professores

Vício entre jovens impacta diretamente na qualidade do sono

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Uso excessivo pode causar problemas no desempenho escolar e de desenvolvimento

Por Lanna Silveira

Uma recente pesquisa do Instituto Datafolha levantou novamente a discussão sobre a proibição dos celulares nas escolas, após divulgar que 62% dos entrevistados se mostraram a favor da restrição.

Junto a decisão do Ministério da Educação (MEC) em lançar um projeto de lei que busque tal proibição ainda em outubro, a sociedade debate sobre os impactos que a prática pode causar no desenvolvimento escolar, psíquico e social dos jovens, propondo possíveis atitudes para lidar com a questão.

Roberta Campos é professora de Língua Portuguesa, Literatura e Redação há 20 anos. Até hoje, a professora só trabalhou em uma instituição de ensino que proibia o uso de aparelhos eletrônicos; nos demais colégios, ela afirma que o uso por parte dos alunos é constante.

Apesar de enxergar algumas vantagens na permissão do celular, como promover o uso para fins didáticos, a professora acredita que o aparelho sirva principalmente como uma distração aos estudantes, que muitas vezes deixam de prestar atenção nas aulas para navegar em aplicativos, jogos de aposta ou realizar filmagens sem autorização. "Na maioria das vezes, depois de uma intervenção, eles guardam. Mas por um tempo mínimo, até pegar novamente para, pelo menos, conferir mensagens", acrescenta.

A professora Luisa Ferreira leciona as mesmas disciplinas há dez anos e afirma que o tamanho da compulsão pelo celular varia de acordo com a idade dos alunos, classificando os estudantes do Ensino Médio como os mais "complicados" nesse aspecto. Quando é possível, Luísa tenta incorporar o uso da tecnologia no ensino em sala de aula. Ela afirma, porém, que sua disciplina não permite muitas inovações nesse sentido.

- Eles não conseguem ficar longe. Durante explicações e atividades, eu sempre peço que os alunos deixem os celulares na minha mesa. A partir disso, eles vão até a mesa toda hora - não para falar comigo ou resolver algo, mas pra olhar qualquer coisa no celular. Eles ficam bem desesperados - exemplifica.

Ambas as educadoras reparam que o uso dos celulares aumentou entre os jovens nos últimos anos, atingindo alunos cada vez mais novos. Luisa acredita que esse crescimento está alinhado aos avanços tecnológicos, que oferecem cada vez mais possibilidades e modos diferentes de se utilizar o aparelho - normalmente associados ao lazer.

Hábito danoso

Para Roberta, o hábito pode prejudicar, a longo prazo, a capacidade dos alunos em reter a atenção durante as aulas. "Há estudos que ligam a falta de foco, a hiperatividade e a dificuldade de concentração diretamente à exposição excessiva às telas. E a configuração que as redes sociais apresentam seus conteúdos, proporcionam mais ansiedade e senso de urgência", justifica.

Luisa, por sua vez, percebe que a presença exagerada do aparelho na rotina dos jovens gera uma "perda de paciência" para ouvir explicações e estudar os conteúdos propostos nas aulas. Para ela, isso acontece pela instantaneidade com a qual se pode adquirir respostas pela internet, enquanto o método escolar requer mais esforço e tempo para assimilar o conhecimento.

- A pressa que os alunos costumam ter acaba atrapalhando o aprendizado, porque eles não absorvem nada. Quando eles precisam estudar de verdade, acaba sendo muito texto e muito conteúdo, que não é rápido - considera.

Desafio para
as escolas

A dispersão dos alunos é, justamente, o maior desafio dos professores quanto aos celulares. Roberta diz que recolhe os aparelhos de imediato caso veja algum estudante usando durante as explicações, por acreditar que a atenção ao professor é mais eficaz ao aprendizado do que o estudo autônomo, em casa.

- A pandemia está aí para nos provar o quanto o contato com o professor é importante para o aprendizado. O professor é muito mais que um transmissor de conhecimento. É o olhar, o incentivo, o contato do dia a dia, os vários modos de ensinar que fazem a diferença - justifica.

Outro desafio, apontado por Luísa, são os constantes plágios em atividades a partir do uso da Inteligência Artificial, por meio de plataformas como o 'ChatGPT'. Ela enfatiza que, atualmente, é difícil encontrar um trabalho que tenha sido produzido inteiramente pelos alunos, e que a dependência nesse tipo de ferramenta faz com que o estudante não desenvolva suas habilidades de escrita e elaboração de ideias.

Roberta se posiciona favoravelmente a proibição do uso de celulares nas salas, desde que esta ofereça autonomia ao professor para gerenciar a restrição, permitindo assim que este possa ser utilizado como instrumento de aprendizado em eventuais atividades.

Luísa também expressa preferência a restrição do aparelho, explicando que consegue reparar uma iniciativa maior dos alunos em interagir com colegas, professores e com o ambiente em geral, quando não estão com o aparelho em mãos.

Desenvolvimento psicológico

Para entender o que ocasionou o aumento do apego dos jovens nos aparatos tecnológicos, o psicólogo Matheus Gomes sugere uma relação de consequência com o período de isolamento da pandemia de Covid-19, que diminui o contato presencial das crianças e adolescentes durante fases formativas.

Para o profissional, a falta de contato físico e de momentos de lazer ao ar livre foram supridas pelo ambiente online, fazendo com que os jovens começassem a associar os celulares a um meio essencial de socialização e diversão. Ele ressalta, ainda, a importância de levar esse contexto em consideração para tentar pensar em soluções para a dependência nas telas.

Em sua experiência como psicólogo, Matheus afirma que um dos impactos negativos do vício que mais se fazem presentes na vida dos jovens é o sono de baixa qualidade. Ele explica que muitos deles acabam dormindo pouco por usar celulares e computadores até a madrugada, sacrificando assim o tempo de descanso. O profissional expressa preocupação com este cenário, temendo por seus resultados na fase adulta desses jovens.

- Acredito que isso possa trazer um problema generalizado no futuro. As crianças e adolescentes estão passando por fases cruciais de desenvolvimento sem um tempo de sono adequado, e o sono é muito importante para garantir um desenvolvimento físico e psíquico de qualidade - alerta.

Para lidar com o problema no ambiente familiar, o psicólogo sugere que os pais auxiliem os filhos a elaborar uma rotina que equilibre o uso dos celulares a outras atividades, estimulando que eles também priorizem obrigações caseiras, atividades físicas e criativas. Matheus ressalta a importância de fazer o jovem entender que existe a possibilidade de se ocupar sem o celular, afirmando que uma simples restrição não diminuirá a dependência no aparelho.

- Não adianta ficar discutindo somente como restringir o celular se aquela criança depois vai ficar ociosa e, por consequência, ainda mais ansiosa e querendo o celular de volta", acrescenta.

Já no ambiente escolar, Matheus acredita que a discussão sobre como agir seja mais complicada e não possui uma resposta imediata. Um caminho apontado pelo profissional seria uma reestruturação do ambiente escolar e dos métodos de ensino para se adequar às necessidades e hábitos atuais dos jovens, oferecendo um modelo mais atrativo que inspire os alunos a não sentir necessidade de usar o celular e de respeitar eventuais regras de restrição. "É um desafio muito grande, que precisa rever todo o modo de pensar a educação", conclui.