Por: Rodrigo Fonseca

André Vianco: o Bram Stoker de Osasco

Vianco publicou os primeiros livros por conta própria | Foto: Divulgação

Divido entre "Os Adormecidos" e "Os Filhos da Noite", ao ser assolado por vampiros, o interior de São Paulo retratado ao longo das 432 páginas de "À Deriva" faz inveja à Transilvânia e às paisagens esfumaçadas da Londres retratada em filmes protagonizados por Christopher Lee.

A geografia brasileira ganha contornos sombrios na imaginação irrefreável de André Vianco, cria de Osasco que é um best-seller vivo e chega agora ao 25º título de uma carreira que comemora um quarto de século... e de sucesso. Ele estará no Rio neste fim de semana e no próximo, para a Bienal, com direito a uma mesa sobre ficção sobrenatural, no dia 10, às 15h. A mesa se chama "Referências da Literatura Fantástica Nacional e a Construção de Universos Expandidos" e vai aproximar Vianco de Ronize Aline, Affonso Solano e Eduardo Spohr. Fãs dele estarão lá.

Autor de cults como "Estrela da Manhã" (2015) e "A Casa" (2002). Vianco é um dos rar(íssim)os autores nacionais de ficção fantástica, revelados nas duas últimas décadas, a passar a fronteira de 1 milhão de livros vendidos. Em 1998, ele escreveu "O Senhor da Chuva" e embarcou numa jornada criativa imparável, que encontra em "À Deriva" (editado pela Lucens) um dos pontos mais altos de sua investigação sobre as forças do Além - aquelas de presas afiadas.

Nos livros, as histórias narradas por Vianco flertam com o macabro. Mas sua história pessoal é um relato comovente:

"Em 1999, eu tinha escrito meu segundo romance, 'Os sete', e mandando para as editoras que publicavam terror na época. Como acontecera com meu romance anterior, 'O Senhor da Chuva', choveu carta de negativa", lembra o autor. "Na época, eu trabalhava em uma empresa de cartão de crédito, no atendimento telefônico, operando telemarketing, da meia-noite às seis da manhã. Eu já era casado, tinha minha primeira filha e, nas horas vagas, em Osasco, eu escrevia minhas histórias de terror. Escrevi 'Os Sete' em três meses e, depois de receber as cartas de negativa que todo escritor recebe na vida, eu resolvi me autopublicar. Fiz um curso do tipo 'Publique o seu livro' e fui orçar a edição numa gráfica na Barra Funda. Era caríssimo publicar mil livros e resolvi guardar a grana, um pouquinho por mês... Tinha aquela coisa de já ser pai de família, mas não desisti do sonho de ter meu livro publicado. Sabia que 'Os sete' pegava o leitor. Daí veio o inesperado. Em outubro de 99, fui demitido. Foi a virada da minha vida. Peguei a grana do FGTS, fui até a gráfica e voltei para casa desempregado, sem fundo de garantia, com uns duzentos reais no bolso e uma nota de pedido de mil livros da primeira tiragem de 'Os sete'. Passei a vender de livraria em livraria em São Paulo. Naquela época ainda existiam as livrarias de família, lojas que não eram das grandes redes e, em dois meses, o livro bombou. O resto é História, literalmente: 'Os Sete', sozinho, já vendeu mais de 260 mil cópias".


 

ENTREVISTA / ANDRÉ VIANCO: 'Os leitores amam se encontrar nas páginas dos meus livros'

Na entrevista a seguir, André Vianco explica ao Correio da Manhã os desafios de se viver do assombro no mercado editorial brasileiro.

De que maneira o teu novo romance se articula com seu histórico literário? Que novos veios o seu universo ganha com esse livro?

André Vianco: "À Deriva" é o segundo volume da saga "As Crônicas do Fim do Mundo" e abre um sentimento de celebração para mim, já que é meu 25º livro publicado. Como o tempo que passou e curou esse escritor de Osasco, esse amadurecimento (ou não!) aparece nas páginas do drama movido por muitas sombras, inquietações e assombrações que rodeiam as personagens de um mundo caótico e em franca destruição após os eventos de "A Noite Maldita", o volume um da série.

O que o terror revela sobre a condição humana? O que o terror te revelou sobre o Brasil?

Acho que eu cutuco, em "À Deriva", o que muitos escritores e escritoras vem cutucando (e não de hoje), que é a nossa fome exacerbada de nos esparramarmos como espécie, vorazes, destruindo tudo no caminho em nome da conquista. Acontece que, quando poucas peças do que reconhecemos como civilidade são arrancadas da cena, rapidamente nos sentimos perdidos e somos acossados por esse vazio que vem e nos assombra, libertando as criaturas sedentas por sangue que passam a habitar a noite e também os nossos pesadelos. Acho que o que mais uso sobre o Brasil não é um elemento cultural nem mesmo de sofisticação metafórica, mas é a nossa geografia presente, o nosso país como palco de uma fantasia, de uma obra de terror. Essa é a manobra na qual me especializei nos últimos vinte e cinco anos. É uma das razões do sucesso de meus livros. Escrevo personagens que são vistos perambulando por nossas capitais, pelas cidades brasileiras. Mostro nossa gente e nosso jeito de lidar com o obscuro. Os leitores amam se encontrar nas páginas dos meus livros de terror.

Qual é o maior desafio de se construir uma fauna de horror brasileira? O que existe de brasilidade no seu terror?

A brasilidade vem com a exibição das situações comezinhas, da presença de nossas expressões únicas, aquelas que só sendo brasileiro para entender. O difícil no início é aceitar criaturas tão exóticas, como são os vampiros, em nosso lugar tropical. Mas, quando vamos para os corações gelados desses seres e para as aflições humanas, percebemos em "À Deriva", que tanto humanos e feras estão lançados nesse lugar de agonia. É um lugar onde famílias estão sendo esfaceladas por esse apocalipse que só se dilata e que, como o título revela de cara, deixa pessoas e vampiros sem chão, sem entender o que está acontecendo. Os vampiros eram gente normal no início da história e foram devorados por um evento místico que lançou metade dos habitantes do mundo num sono paralisante, num estado de catalepsia. Enquanto isso, os sobreviventes se dividiram, em quatro dias, entre humanos e vampiros, abrindo um terreno cinzento e incompreensível, pois o evento catastrófico apanhou pessoas comuns, não fazendo distinção de Bem e Mal, apenas arrebatando um número que se tornou monstro. É angustiante não ter as regras do jogo para compreender o que é está acontecendo. De repente, sua mãe se torna uma vampira. E aí? Vai matá-la ou vai tentar buscar uma cura antes de ela pular em sua garganta?

Quais são os livros e filmes de horror que te formaram?

Minha formação veio de diversos gêneros, na verdade. Não consigo dizer: "Fui feito pelo terror". Para você ter uma ideia, na literatura, tomei como padrinhos Victor Hugo e Henry James, escritores de épocas diferentes, mas que iam fundo na alma humana. Um é novelesco e o outro, mais intrincado, e que me despertou o sabor pelos mergulhos na ambiguidade das relações, das ações dos personagens. Maia José Dupré também me tocou, com "Éramos seis", e, depois deles, vem um cordão de bons contadores de histórias do mundo todo. No audiovisual, bom... Enquanto, no pré-escolar, eu esperava pelo almoço que minha avó fazia, eu assistia "O elo perdido" e sou fã até hoje de "King Kong". Minha relação com o terror na infância foi sem nome, porque eu ficava na frente da TV, nas sessões da meia-noite, nas sextas-feiras, e assistia ao que viesse. O primeiro filme que me deu medo e quase fez eu abandonar uma sala de cinema foi "A Morte do Demônio", do Sam Raimi. Das peças contemporâneas que mais me prenderam, posso indicar tranquilamente a série "A Missa da Meia-noite", um encontro magistral do terror com o Belo, com a melancolia.

Do que um mestre do terror tem medo?

Foi falar sobre um mestre do terror escrito! Meu medo é não ter mais leitores, só isso.

Quais serão seus próximos passos, no audiovisual e na prosa?

Meu próximo livro sairá ano que vem, pela editora Planeta, que trará meu título original, "40 Luas". É uma viagem tanto para nossas almas (literalmente) quanto um passeio pelas ruas de Osasco, que homenageio mais uma vez. "40 Luas" parte da ideia da grande simulação. Nela, trato muitos dos elementos que fazem parte do nosso fabulário existencial como entidades que regem nossas vidas e nossas experiências como códigos dessa grande simulação à qual nos sujeitamos. O Tempo, a Morte, a Música, a Saudade... Todos os sentimentos, as sensações e os elementos que fazem parte de nossa experiência humana são entidades. Elas caminham entre nós, em outro plano. A história começa quando a Morte revela estar cheia de nós, seres humanos, considerando-nos extremamente patéticos e parte de uma experiência sem sentido. Bem, preparem-se! "40 Luas" é uma das coisas mais deliciosas que já escrevi.

 

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