Aexpectativa ainda às vésperas de mais uma feira no rastro de uma segunda SP-Arte do ano, em São Paulo, e uma edição da Bienal de São Paulo que começou já aclamada pela crítica mundial, não podia ser menos eletrizante na visão de galeristas e colecionadores. Os instantes antes da temporada de liquidações cariocas foram bastante eufóricos, talvez decisivos, já que muitas vendas eram concretizadas por galeristas paulistanos em plena ponte aérea. Alguns marchands vieram fazer só entregas, já que quase tudo estava vendido a partir das seleções enviadas de antemão aos clientes VIP.
No galpão da feira, uma série de obras estampavam alegres esse "mood" moda praia. Uma "Cena de Praia", de Candido Portinari, mostra uma moça de biquíni tostando sob o sol, e José Pancetti fez um belo flagra marítimo em "Mulheres e Crianças na Praia", ambas na Pinakotheke Cultural.
Mas, já distante do modernismo, as praias do Rio de Janeiro atual, no fogo cruzado entre morro e asfalto, deram as caras numa série de obras vibrantes, a tônica de uma arte figurativa atualíssima que domina o circuito, de São Paulo e Rio a Los Angeles, Miami, Nova York e Basileia, na Suíça.
Lá estavam as pinturas de rolês alegres de garotas de shortinho em galerias de arte, pegando um bronze em piscinas de plástico e batendo cabelo no baile funk, todos trabalhos de Priscila Rooxo, artista da galeria Francisco Fino, de Lisboa. Também estava ali a cena solar e praiana de Osvaldo Carvalho, da galeria Janaina Torres (SP), que pintou um rapaz sentado, iPhone na mão, apontando para três beldades de biquíni na praia de Ipanema.
Todos os personagens, assim como os artistas que os inventaram, são negros. Os nomes novos no circuito, homens e mulheres mais jovens ou mais velhos, trilham uma rota aberta por outros de uma novíssima leva de artistas que pôs - e ainda mantém - a pintura figurativa da vida negra do país em primeiríssimo plano no cenário mundial já faz alguns anos, uma tendência que se reforça a cada temporada de feiras e bienais.
Um dos pioneiros dessa onda, Maxwell Alexandre, que recebeu convidados na galeria que mantém na Rocinha, onde cresceu, mostrou na ArtRio, na paulistana Millan, uma série de pinturas em que o fofo dinossauro mascote da Danone é espancado quadro a quadro.
As obras têm como pano de fundo embalagens de Toddynho, o achocolatado que ele conta não poder ter tomado quando criança e fator na gênese de um trauma exorcizado agora em trabalhos avaliados na casa das dezenas de milhares de dólares.
Os trabalhos de Igor Rodrigues, na Acervo, de Salvador, levavam essa tendência à máxima potência. São retratos lustrosos de personagens negros com vidro nos olhos, cacos espelhados que fazem o público se ver na pintura. Na paulistana Leme, Tiago Sant'Ana, artista conhecido por performances e vídeos viscerais, entrou na seara da pintura com retratos empoderados de rapazes negros, num registro que lembra a operação visual de embaralhamento histórico do artista americano Kehinde Wiley.
Esse hedonismo preso em algum lugar no espectro de humor entre o ingênuo e o ácido transborda das telas de Grauben, pintora redescoberta agora pela galeria Galatea, de São Paulo, autora de quadros pontilhistas que retratam uma natureza exuberante, de pássaros e flores em brilhantes explosões cromáticas.
É praxe toda temporada ter seu velho mestre reinventado e readequado aos padrões do mercado, que mudam como as ondas do mar, mas a bela seleção de trabalhos que parecem remixar Matisse e Seurat com uma raiz brasileira não pareceu destoar de todo o conjunto das obras levadas à ArtRio. O mesmo rigor calculado, um pé na composição cerebral e outro na alta voltagem das cores, aparece nas telas de Alfredo Volpi, modernista levado à feira carioca pela Almeida & Dale, de São Paulo.
O preço dessa alegria é salgado, de R$ 300 mil a R$ 1,6 milhão cada obra. Mas nada assusta: os sorrisos estão de volta.