'Existe umaconexão imediata minha com o Brasil que não sei explicar'

Por

O curta de Almodóvar tem 31 minutos e edição cirúrgica

Surpreendente imersão na forma fílmica do bangue-bangue clássico, em especial no domínio da paleta de cores do gênero, "Extraña Forma de Vida" (título original do filme) é xará do fado homônimo de Amália Rodrigues (1920-1999), cantado nos minutos iniciais por Caetano Veloso.

"Existe uma conexão imediata minha com o Brasil e sua música que não se explicar, mas me encanta", disse Almodóvar à Croisette, em maio, quando o filme passou a ser encarando como potencial concorrente à estatueta de Melhor Curta de Ficção em 2024.

Ao adentrar no Velho Oeste, ele dá provas de que pode ser gigante mesmo fora de seu registro, embora preencha as pradarias do filão celebrizado por John Ford com todos os elementos de sua obra. Lá estão: uma paixão desenfreada, a quebra de limites morais e a ideia nada cartesiana de que "desejo, logo sou". Um lirismo folhetinesco amor galopa pelas telas conforme somos apresentados ao amor engasgado entre o vaqueiro Silva (Pedro Pascal) e Jake (um Ethan Hawke em estado de graça), o atual xerife da cidade onde tudo se passa. Esse "tudo" é um reencontro, um flashback e um justiçamento. Tudo embutido em 31 minutos editados com precisão cirúrgica.

Numa analogia ao curta anterior do diretor espanhol, "A Voz Humana" (2020), há um refinamento no senso de montagem do cineasta para o formato. "Hollywood criou a ética americana a partir da conquista do Oeste, mas ainda estranha ver o amor entre dois homens", diz o cineasta, que hoje prepara um novo longa, chamado "Amarga Navidad", sobre um conflito afetivo numa noite de Natal.

Um clássico de Anthony Mann chamado "E O Sangue Semeou a Terra" (1952) serviu de base para o colorido vívido "Estranha Forma de Vida".

Habituado a tramas sobre caubóis, Hawke brincou, em Cannes, que se sentiu lisonjeado pelo idílio com Pascal no curta de Pedro. "Existe uma grande vantagem em se trabalhar com um diretor que tem um estilo próprio, como é o caso de Almodóvar. Com parcerias assim, um ator pode relaxar e se entregar à proposta, com plena confiança no modo como as filmagens serão conduzidas", diz Ethan.

Atualmente, as livrarias brasileiras puseram à venda uma compilação de duas incursões literárias de Almodóvar pela editora Planeta, em seu selo Tusquets: "Patty Diphusa" (1991) e "Fogo nas Entranhas" (1981).