'Cidade de Deus', 20 anos depois

Longa premiado de 2002 volta como série para acertar contas com o passado

Por Pedro Strazza (Fohapress)

Alexandre Rodrigues revive o fotógrafo Buscapé na sequência do premiado 'Cidade de Deus', que agora vira série

Às oito horas da manhã, o clima gelado esvazia as ruas na região da quadra da Nenê de Vila Matilde, na zona leste de São Paulo. Na sede da escola de samba, porém, nada está parado, a ver pela fila de caminhões estacionados por toda a extensão da rua Júlio Rinaldi. No salão, as aparências sugerem um dia de festa, de um baile de debutante. Mas o silêncio impera lá dentro. Os convidados aguardam pacientes nas cadeiras, alguns até dormem - a festança rola desde as seis.

O baile faz parte das gravações da série "Cidade de Deus", que, por alguns dias, incorpora a escola tradicional da capital paulista à favela mais conhecida do cinema brasileiro.

Será nesse ambiente festivo da quadra que a série retomará a história do filme. O espaço é tomado por paredes decoradas com estampas azuis, com padrões que reproduzem as ondas do mar, enquanto conjuntos de fitas e balões dourados se alastram pelo local. Uma mesa de aniversário espalhafatosa na entrada e a reprodução da proa de um barco no palco completam o cenário.

A decoração reforça que a favela da série vive os anos 2000. Tanto a trama quanto o programa acontecem 20 anos depois do filme de 2002. Se o original se encerrava nos anos 1980, o seriado previsto para 2024 na HBO se passa no começo do século 21.

Todo esse tempo e a inclinação da Cidade de Deus para a tragédia segue intacta. A festa, inclusive, é descrita pelos membros da produção como palco de um novo desastre.

O tempo foi suficiente para a comunidade passar por um novo jogo de poder. Depois da morte de Zé Pequeno pelas mãos dos garotos da Caixa Baixa, o controle do tráfico acaba nas mãos de Curió, um homem de gestão mais democrática, vivido por Marcos Palmeira.

Quando Braddock, líder do grupo, retorna à Cidade de Deus, o assassinato de uma liderança inicia uma nova guerra na região. Mas o que levou Aly Muritiba, cineasta célebre por filmes como "Deserto Particular" e "Para Minha Amada Morta", a assumir a direção da continuação não foi esse relato da história do crime organizado, embora a ascensão das milícias se faça presente.

"O lema do filme era 'se correr o bicho pega, se ficar o bicho come'. Não havia saída para quem está na favela", diz o diretor durante uma pausa nas gravações. "A série propõe algo diferente disso, porque fala muito de resistência dentro da comunidade."