CRÔNICA | Nos arredores do Castelo

Por Paulo-Roberto Andel

Caminhando pelo meu pequeno e desimportante mundo, lembrando de tanta coisa que passou e plenamente destemido, apesar de ter uma pistola apontada para a minha cabeça 24 horas.

Eu ando com meu par de chinelos confortáveis que comprei no Mercado Livre, e olho para os grandes prédios com a mesma admiração de criança. Olho para o prédio do Consulado da Itália e lembro de um pesadelo que tive justamente dali, me suicidando mas caindo em câmera lenta e acordando molhado de suor. Isso tem muitos anos mas nunca me esqueci, porque foi um pesadelo com final feliz. Feliz? É, eu me salvei. Não sei se foi realmente feliz, mas escapar da morte é uns vitória, acho.

A grande avenida com poucos carros, quase nenhum, mas todos apressados porque ninguém quer perder um segundo que seja. Na calçada, sempre tem gente morrendo a prazo e isso é devastador, mas ninguém liga e fica por isso mesmo. A regra é a desumanidade. O outro que se dane. Fico triste em lembrar de um colega que me parece tão desumano agora. Bom, a maioria é assim.

Perto do grande prédio da Academia, a bela estátua do poeta Manuel Bandeira, muito parecida com o original. Perto dele, Joaquim Nabuco. Uma garotinha vendendo balas pra ninguém, provavelmente longe de todos os seus sonhos e tenho vontade de desistir, porque nasci no país do futuro que nunca chega e estou morrendo completamente distante de tudo que sonhei para mim, bem como para a coletividade. Crianças deveriam estar brincando, lanchando, descansando, estudando e vivendo a melhor época de suas vidas, logo está tudo errado.

Eu não preciso olhar para o Whatsapp porque não tem mensagem alguma. Sou eu caminhando pelos restos mortais da glória da cidade, com uma pistola apontada para a minha cabeça e tentando respirar, enquanto olho à distância para a Santa Casa. Eu me sinto tão derrotado que poderia serrar ali mesmo e chorar até morrer.

Eu ando pelo mundo e choro, e daí? Por que não posso ser diferente dos lacradores, dos senhores com peito de pombo? Por que não posso dizer e sentir o que realmente sinto, se ninguém vive essa vida miserável e deprimente no meu lugar? A minha vida não é o meu lugar de fala, ora? Eu estou tripudiando de quem vive uma vida de aparências e mentiras? Não. Posso me sentir infeliz em paz.

Caminhando sem canto, com medo, sem esperança, sem amigos, sem pai e mãe mas ainda igualzinho a quando tinha sete ou oito anos, olhando os prédios e as pessoas com curiosidade e empatia, sem receber nada além da indiferença em troca - não nos esqueçamos, esta é a sociedade do descaso, do desprezo, do descompasso entre discursos e ações. Esta é a sociedade da hipocrisia, onde a solidariedade, se muito, surge nas condolências e às vezes sequer isso. É a sociedade que absolve qualquer canalha na hora da morte, mas humilha e deprime pessoas honestas por toda vida. A sociedade da falsidade e da bajulação acima de tudo.