Uma piada que desafiou a ditadura
'Banquete dos Mendigos', o show que reivindicou liberdade e direitos humanos nos anos de chumbo, completa 50 anos
Uma piada que virou um ato político. É assim que Jards Macalé define o espetáculo "Banquete dos Mendigos", que acaba de completar 50 anos.
O show foi divulgado informalmente por crianças de rua, aconteceu em um Museu de Arte Moderna (MAM) cercado por militares, no auge da ditadura militar, e reuniu vários dos maiores nomes da música brasileira, com interpretações históricas e inéditas, registradas em uma gravação clandestina. "Mas submergiu no meio de tanta loucura, de tanta confusão", diz Macalé à reportagem.
Era o fim da década de 1960, começo da de 1970, quanto tornaram-se comuns atos artísticos para beneficiar determinada causa, pessoa ou instituição.
Época também em que Macalé vivia uma "penumbra danada" financeiramente, brigando com gravadoras, enfrentando problemas de direitos autorais e com discos pendurados, sem lançar.
"Achei que deveria fazer um show em meu benefício, em autobenefício. Era uma piada, naturalmente, mas todo mundo topou", conta.
À procura de um palco, conversou com o então diretor da Cinemateca do MAM carioca, Cosme Alves Neto. Surgiu a ideia de vincular a brincadeira à política, em um evento de aniversário da Declaração de Direitos Humanos da ONU, intercalando músicas e a leitura de artigos da carta pelo poeta Ivan Junqueira.
Batizou de "Banquete dos Mendigos" e a divulgação, para driblar a censura, foi informal. "Fizemos panfletos com data, hora e local, e botamos na mão de meninos de rua, que saíram distribuindo pelo Rio", diz o cantor.
Xeque-mate na ditadura, que não arriscaria impedir um evento chancelado pela ONU.
Aconteceu no segundo andar do museu, segundo seu idealizador, sob cerco de militares do lado de fora e infiltrados por dentro. Três mil pessoas e uma "patota doida" no palco.
Além do próprio, também Chico Buarque, Gal Costa, Paulinho da Viola, Milton Nascimento, Toninho Horta, Dominguinhos, Edu Lobo, Danilo Caymmi, Luiz Melodia, Jorge Mautner, MPB4, Nelson Jacobina, Raul Seixas, Johnny Alf e um então cantor anunciado como Luiz Gonzaga Júnior, o Gonzaguinha.