O cristianismo não se reduz à fé, sendo também ciência ou episteme, por exemplo, a PUC-RJ é cristã e produz ciência. Quando se pergunta "o que é", essa busca pelo "ser" é o princípio da filosofia clássica e, por conseguinte, da ciência. O ser nos dá a identidade, pois possibilita identificar. O "ser" organiza. Eu soube que Santo Agostinho estava no Rio de Janeiro e nos encontramos na Igreja de Nossa Senhora de Montserrat, onde fica o Mosteiro de São Bento, localizado em uma ilha suspensa, no Centro, cercada de prédio por todos os lados. Encontrar pessoas é encontrar palavras.
Fale um pouco do livro "A vida feliz".
Era fim de outono de 386, e o livro foi concluído após três dias de discussão com amigos. Escrevo nele que, diferente dos tempos atuais, o corpo não nos possibilita a felicidade por ser instável, passageiro.
O que nos dá constância?
A alma, e seu alimento é o conhecimento das coisas, a ciência. Quando sabemos "o que é", algo perdura, não se altera, ficando sempre igual a si mesmo, o que impede de o sujeito ficar perdido.
Deus, então, é ciência?
Sim, considerando que a ciência busca o ser. Deus é o Ser absoluto. A ciência, então, é a arte que nos ajuda a fazer bom uso das coisas temporais, considerando que, sem ciência, não há sabedoria.
Mas o que é estável no mundo?
Deus. Apenas Ele nos oferta a felicidade por nos dar o estável.
Mas teu Deus é católico.
Acima da manifestação cultural de cada religião, existe o Deus pensado na condição de ser o Bem maior. Embora tenhamos o terreiro de umbanda ou a igreja, o Bem é único, e a sabedoria é o sumo bem.
Poderia nos dar um exemplo?
Conheci um terreiro de umbanda no Rio em que um irmão franciscano leciona Filosofia só para alunos negros e pobres. Esse encontro entre franciscanos, umbandistas e professores laicos e voluntários chama-se Educafro, onde terreiros transformam-se em salas de aula para o aluno negro sem condições de pagar vestibular. A educação é o sumo bem, aproxima culturas religiosas tão diferentes. Educafro é exemplo.
Deus não é uma questão de fé?
Não se pode amar o que desconhecemos, por isso é preciso conhecer a Escritura como ciência, é preciso conhecer a Palavra para poder amar e, quando digo conhecer a Palavra, digo o ser da Palavra, digo "o que é" a Palavra, a fim de que Ela seja estável na alma.
Suas últimas palavras.
Em Romanos 2,11, "porque para com Deus não há acepção de pessoas", não há distância, por exemplo, entre franciscanos e umbandistas.
*Professor-mestre em filosofia