Por: Aldo Tavares*

MORA NA FILOSOFIA: Papo com Abelardo e Heloísa

Abelardo e Heloísa | Foto: Reprodução

Nesta semana de 12 de junho, data dedicada aos enamorados, achei oportuno entrevistar o pensador que viveu intensamente o amor por Heloísa, um dos maiores lógicos da humanidade. Conversei com Pedro Abelardo, à luz da primavera francesa, no Mosteiro de Saint-Denis, norte de Paris, tendo sido mutilado a mando do tio de Heloísa, Fulberto, por causa do amor. Abelardo e Heloísa representam a grandeza de um sentimento que amalgama carne e espírito. Encontrar pessoas é encontrar palavras.

Após Fulberto ter ordenado sua castração, qual foi seu destino?

O de ser monge, como você pode ver.

E o destino de Heloísa?

O de ser freira.

Vocês ainda se encontram?

Sim, mas apenas para disputas intelectuais.

Fale um pouco sobre ela.

Em Paris, havia uma moça chamada Heloísa, conhecida não só por sua beleza, mas por sua educação refinada. Ela era bastante bonita e a extensão de sua cultura tornava-a uma mulher excepcional. Os conhecimentos literários são tão raros entre as pessoas de seu sexo que ela exercia uma atração irresistível, e sua fama já corria.

Como a conheceu?

Apresentei-me a seu tio por meio de amigos comuns, os quais lhe propuseram tomar-me como pensionista. Na verdade, sua casa ficava muito próxima de minha escola. Ávido por dinheiro, deixei que seu tio fixasse o valor da pensão, além de tê-lo persuadido de que sua sobrinha tiraria proveito de minha ciência como aluna. Ele aceitou.

E as aulas?

Os livros permaneciam abertos, mas o amor, mais do que nossas leituras, era objeto de nossos diálogos; trocávamos mais beijos do que proposições sábias; minhas mãos voltavam com mais frequência a seus seios do que a nossos livros.

Ou seja, não havia estudo.

Havia, só que estudávamos a indisciplina do amor, cujo ardor conheceu todas as suas fases, e também tivemos experiência de todos os refinamentos insólitos que o amor imagina. Em virtude disso, cheguei a negligenciar a filosofia, a abandonar minha escola.

Abelardo, me conte como foi a violência contra você.

Fui traído por um dos meus servidores, que, comprado a preço de ouro, deixou homens entrarem em meu quarto. Dois foram presos e condenados à perda de visão e à castração. Sou eunuco e, segundo Deuteronômio, não entrarei na Assembleia de Deus. Desde então, isso me levou para a sombra de um claustro.

Também conversarei com Heloísa.

Vinte anos mais nova do que eu, Heloísa escreve muito bem e, em uma de suas cartas, diz que seu coração a abandonou. Está comigo.

Terminado nosso encontro, me dirigi ao convento de Argenteuil, onde a abadessa Heloísa me recebeu. Muito culta e inteligente, revelou não só seu amor por Abelardo como se mostrou audaciosa, já que seu desejo se fez presente sob o hábito, confessando a mim que as volúpias amorosas experimentadas por ela foram tão doces que nem a aborrecem nem podem ser apagadas de sua memória.

Muitos anos se passaram, a senhora ainda ama Abelardo?

Em uma das cartas, escrevi a Abelardo que, durante a própria solenidade da missa, na qual mais pura deve ser a oração, as imagens obscenas daquelas volúpias cativam minha alma tão miserável e entrego-me mais àqueles torpezas do que à oração.

Isso não é pecado?

Pecado é a intenção de cometer aquilo que se sabe que não se deve fazer. Meu amor não é pecado, porque sei o que se deve fazer, isto é, ainda que eu seja abadessa, prefiro poder agir como mulher apaixonada. O crime está na intenção mais do que no ato.

Quantos anos a senhora tinha quando conheceu Abelardo?

Eu tinha 17 anos; e Abelardo, 37.

Desse amor, nasceu Astrolábio, como ele está?

Depois de meu tio ter me expulsado de sua casa, passei a viver no convento de Pallet, na Bretanha, onde recebi os cuidados de minha cunhada e onde nasceu Astrolábio. Hoje, doutor em filosofia, ele leciona onde Gilles Deleuze lecionou, na Louis-Le-Grand, em Paris.

E seu amor a Deus?

Foi por ordem de Abelardo que tomei o hábito, não por ordem de Deus; foi a Abelardo, não a Deus, que procurei agradar. Eu levo uma vida infeliz, pois meu espírito, devastado por perturbações de imagens obscenas, não saberia cumprir o serviço de Deus com sinceridade.

Então, por que não deixa a vida religiosa?

Ficar onde? Meu desejo quer morar no corpo e na alma de Abelardo; mas, como ele me disse em carta que não deixará o hábito, permaneço aqui.

O que é desejo?

Sugiro ler as páginas de "O desejo", onde Camille Dumoulié o apresenta de Platão a Lacan.

Mas, para a senhora, o que é?

É o desejo que edificou minha igreja.

 *Professor-mestre em Filosofia