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Paulo-Roberto Andel: O grande capital

O grande capital só se importa com seus ganhos e não olha para as desigulades sociais que produz | Foto: Shutterstock Bank Images

Na porta do banco de empréstimos da Praça Tiradentes, um garoto franzino vai parando lentamente sua bicicleta financiada por um gigantesco banco brasileiro. Com olhar desconfiado, desembarca do veículo e o encosta na porta da financeira. Tira das costas sua enorme caixa cheia de guloseimas que ele não provará. Pega o pedido de alguma funcionária e entra na loja para fazer a entrega que lhe dará míseros reais.

[A rua parece tão vazia que tem ares de feriado, mas é tão somente a miséria da região

A quinze metros da bicicleta do gigantesco banco brasileiro, duas pessoas em situação de rua estão praticamente desmaiadas de cansaço. Não é o sono da vagabundagem, como preferem os ignorantes: "Por que não levanta daí e vai procurar um emprego?". A estupidez é uma tragédia. Bom, ali estão dois mortos vivos, largados a própria sorte que nada significam para a loja financeira, e muito menos para a bicicleta laranja da grande corporação bancária.

[Enquanto a cliente do iFood ri ao telefone, o menino magrinho continua à espera para finalizar o atendimento e partir para outra loja, sala ou endereço qualquer onde possa ganhar algum real.

A rua vazia talvez tenha uma explicação: o home office. E também a falta de grana: as pessoas simplesmente não se deslocam para o Centro. Continuam no ar as velhas promessas que não vão dar em nada.

Bem em frente à bicicleta laranja da grande corporação bancária, do outro lado da rua, pessoas nitidamente cansadas estão esperando ônibus em direção à Zona Norte. Hoje em dia há menos empregos, menos consumidores e menos passageiros; consequentemente os coletivos são mais escassos. Quem tem paciência e mais dinheiro vai de metrô na Estação Carioca; quem precisa, fica. Ninguém ri. Ninguém conversa. Os rostos carregam o peso do cansaço.

Andando mais cinquenta metros, você pode chegar ao outro lado da Praça Tiradentes, onde tem a estação do VLT - volta e meia a máquina de cartões não funciona e os passageiros ficam a ver navios. Na esquina da Imperatriz Leopoldina duas jovens com roupas curtas e olhares perdidos, ambas com menos de vinte anos, especulam possíveis clientes para programas sexuais. São profissionais do sexo, o problema é que ninguém é verdadeiramente profissional de nada com menos de vinte anos de idade, a não ser os gênios e estes são bem raros.

Nos prédios da Praça, tudo parece silêncio das janelas. Um transeunte não pode sequer imaginar que, em alguma delas, haja um potencial suicida ou mesmo homicida. Não dá para saber nada do que a Tiradentes abriga, nem do céu nem da Terra. Se houvesse ao menos um declarado, logo surgiria um grupo de espíritos de porco que, à menor ameaça de suicídio, logo gritariam do térreo "Pula, Pula", mostrando muito de certa face verdadeira no Brasil.

[Debaixo da marquise, a quinze metros do banco de empréstimos, as duas pessoas em situação de rua continuam absolutamente desmaiadas de cansaço, à espera da misericórdia que jamais virá.

É terça-feira, o inverno vai encaminhando sua despedida. A vida escorre. Os bons morrem jovens. Os arrogantes ladram por toda parte.