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Longa dirigido por Johnny Depp é destaque

Pacino explode nas telas em 1971, um tempo de transformação nos EUA. Caracterizado por uma profusão de rebeldes com causa e com câmera, o cinema americano dos anos 1970 representou uma espécie hemodiálise poética da imagem. Para entendê-la é necessário voltar no tempo. Houve uma vez um verão, o de 1967, no qual o cinema americano engajou-se numa bossa nova para seus padrões, diante de dois filmes "Bonnie & Clyde - Uma Rajada de Balas", de Arthur Penn, e "A Primeira Noite de um Homem", de Mike Nichols. Em ambos, dois diretores com experiências em outras mídias (o primeiro vem da TV; o segundo vem do teatro) contextualizaram a juventude dos EUA sob uma ótica alarmista de percepção do cerceamento moral e da violência das instituições, seja pela caretice da Família seja no chumbo quente do Estado. Dali para frente, a filmografia do Tio Sam tomou uma curva à esquerda, imbuindo-se do espírito cinemanovista - aquele que pariu Truffaut, embalou Bertolucci, ninou Polanski, pôs Glauber para arrotar - para tirar cascas das feridas nas veias abertas da América profunda.

Naquele momento, uma trupe surgiu com uma proposta de engajamento social, político, comportamental e estético. Entre eles estavam Francis Ford Coppola ("A Conversação"), Martin Scorsese ("Taxi Driver"), Peter Bogdanovich ("A Última Sessão de Cinema"), Bob Rafelson ("Cada Um Vive Como Quer"), Michael Cimino ("O Franco Atirador"), Bob Fosse ("Cabaret"), Jerry Schatzberg ("O Espantalho"), Hal Ashby ("Muito Além do Jardim"), a esquecida Elaine May ("O Rapaz Que Partia Corações"), George Lucas ("Star Wars - Episódio IV: Uma Nova Esperança") e um certo Steven (o do "Tubarão" e de "Contatos Imediatos do 3º Grau")... aquele tal de Spielberg. Ponha ao lado deles ficionistas mais velhos, como Robert Altman ("M.A.S.H."), John Cassavetes ("Maridos"), Monte Hellman ("Briga de Galo"), Sidney Lumet ("Serpico") e o já citado Pollack ("A Noite dos Desesperados"). Embora muitos se esqueçam, foi aí que Woody Allen ("Bananas") apareceu. Essa patota trouxe para o primeiro plano da tela as varizes éticas que impediam a oxigenação do sangue americano.

Não apenas de ficcionistas viveu este clubinho de talentos, que tomou a ousadia de questionar os cânones de Hollywood. A partir de 1969, um time de documentaristas de peso como Shriley Clarke ("For Life, Against The War"), Peter Davis ("Corações e Mentes"), Michael Wadleigh ("Woodstock"), Arnold Perl ("Malcolm X"), o jovem Taylor Hackford ("Bukowski") e até o ascendente Martin Scorsese ("ItalianAmerican") fizeram do real um espaço de meditação e de investigação. Eles levaram para a esfera documental todas as reflexões que os Easy Rider depuraram em road movies, dramas, comédias e thrillers, criando nas franjas da não ficção um bunker para a discussão do papel revolucionário das câmeras na mão.

Pacino se lançou como diretor de longas com uma narrativa de tons documentais, chamada "Ricardo III - Um Ensaio", lançado em 1996, ano em que o Festival de San Sebastián (onde hoje ele volta a ser aclamado, por Modi", deu a ele um troféu honorário, o prêmio Donostia. Na ocasião, Pedro Almodóvar lhe entregou a honraria, celebrando o espírito da época que o oscarizado protagonista de "Perfume de Mulher" (1992) encarna.