Por: Pedro Sobreiro

Marco Pigossi: "'Maré Alta' foi o nosso primeiro filho"

Marco Pigossi sendo dirigido pelo marido, o italiano Marco Calvani, durante as filmagens de 'Maré Alta' | Foto: Divulgação/LD Entertainment

Nos últimos anos, a questão da imigração se tornou pauta central nas políticas internacionais, que tratam a situação com o mínimo de sensibilidade, esquecendo que do outro lado há seres humanos, que, por mais diferentes que sejam, vivem suas próprias dúvidas e questões.

Em 'Maré Alta', o diretor italiano Marco Calvani conta a história de Lourenço (Marco Pigossi), um jovem gay brasileiro que vai para os EUA com o visto de turista, mas começa a trabalhar ilegalmente para tentar se manter no país. A trama trata com muita sensibilidade as dificuldades da vida fora de seu país natal e os desafios psicológicos de estar sozinho em uma terra distante.

Fora das telas, Calvani e Pigossi são casados e desenvolveram o projeto durante a pandemia. Em entrevista ao Correio da Manhã, a dupla falou mais sobre o projeto e os desafios de lançar um filme independente.

"Particularmente, eu me senti um pouco como o Lourenço nos últimos anos, sabe? Como se estivesse em um limbo. Teve a Covid-19, então parecia não haver muito futuro, assim como o passado também parecia não importar mais. E eu não sabia bem o que estava fazendo, eu não fazia ideia do que seria de mim. Como homem, eu me sentia esmagado pelo sistema, pelas mudanças no jogo, pelo crescimento do fascismo no mundo. E acho que esse sentimento de estar perdido foi bem passado no filme", disse Calvani.

"E, bem, não é um filme autobiográfico. Eu não sou brasileiro, mas sou um imigrante, um homem italiano, gay, que vive nos EUA. Acho que sou um pouco como o Lourenço, mas de uma forma diferente, então criamos esse 'lugar especial', por assim dizer que, se você é um homem que vive longe de casa, você acaba encontrando esse lugar cheio de oportunidades, mas também de riscos e incertezas. Apesar de ser muito excitante chegar até lá, também pode ser muito triste por mexer com saudade, incertezas. Felizmente, o filme fala sobre muitas outras coisas, mas é lindo ver como vem sendo recebido com tanto carinho pelos brasileiros e pelo público ao redor do mundo", completou o diretor.

Pigossi concorda e detalha que buscou trazer questões universais para desenvolver seu protagonista.

"Complementando, é um filme muito pessoal, mas zero autobiográfico. Quando a gente fala de imigração, a gente fala sobre essa solidão de morar em um país que não é o seu, falando em uma língua que não é a sua. Então, é uma tentativa de tentar se redescobrir em um ambiente que não é o seu. E sempre muito só. O filme fala sobre pertencimento, porque o Lourenço vai para lá em busca de pertencer a um país, uma cidade, a uma comunidade. Até a si mesmo, que é a grande mensagem do longa. Isso é universal para toda pessoa que vai para fora tentar uma vida melhor, independentemente da razão", afirmou o brasileiro.

Questionados sobre como foi trabalhar com o marido, os artistas foram categóricos ao dizerem que fariam de novo. E o diretor revelou também que tomaram algumas medidas para evitar desgastes ao fim do expediente.

"Se não tivesse sido bom, nós não estaríamos aqui hoje. Sobrevivemos a uma pandemia e a um filme como ator e diretor [risos]. Mas é o amor verdadeiro que nos mantém juntos. E o amor nasce do respeito e companheirismo, não só um pelo outro, mas também pela arte. Mas é claro que tomamos alguns cuidados para não atrapalhar as relações. Nós não dormíamos no mesmo lugar, porque precisávamos desse descanso para nos desligarmos do dia de filmagens. Mas nós faríamos tudo de novo. E esse processo foi incrível por ter nos permitido conectar ainda mais com esse lado artístico um do outro, mas também desenvolver ainda mais nossos laços de confiança. Nós conseguimos traduzir nosso amor para darmos forma a esse filme", contou Calvani.

Já Pigossi falou que enxerga o filme como o primeiro filho do casal, já que todo o processo demanda amor, carinho e vontade de trazer o filme à vida.

"A gente fala que o 'Maré Alta' foi nosso primeiro filho. A partir do momento que o Marco me mostrou o roteiro, a gente vem trabalhando juntos e decidiu que era essa história que a gente queria contar, e desse jeito. E isso é muito difícil. Quantas pessoas estão nos EUA com roteiros brilhantes e não conseguem? Fazer um filme independente é quase um milagre. 'Maré Alta' é um filme feito muito mais com amor do que com dinheiro. É um filho que a gente criou e colocou no mundo. E tinha essa responsabilidade, porque foi o primeiro longa do Marco e o meu primeiro filme como protagonista nos Estados Unidos, então a gente queria ter essa responsabilidade de fazer dar certo. Mas também houve uma admiração sincera como artistas, porque o Marco é um diretor brilhante com seus atores. Ele tem um olhar muito bonito para os atores, o que, para mim, representou um renascimento como ator, descobrindo coisas novas, limpando vícios, manias e maneirismos que a gente acumula ao longo do tempo. Foi uma experiência maravilhosa! E faria outros milhões de filmes junto com ele!", finalizou Marco Pigossi, que vem desenvolvendo uma bela carreira internacional.