A classe operária vai à galeria

Artista autodidata, Marcos Roberto reproduz páginas de caderno em chapas de aço para denunciar as desigualdades históricas brasileiras

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A exposição 'Páginas para um Tempo em Branco', de Marcos Roberto, está em cartaz na Galeria Movimento até o dia 1º

Oartista plástico paulista Marcos Roberto apresenta seus trabalhos pela primeira vez no Rio em "Páginas para um Tempo em Branco", uma interessante exposição em cartaz até 1º de julho, na Galeria Movimento, na Gávea. Autodidata e ex-operário na cidade de Bauru, Marcos resgata os desenhos dos seus cadernos de infância, quando não tinha acesso à cultura, para fazer uma crítica social às desigualdades, ao racismo e, sobretudo, à falta de acesso a educação de qualidade.

Marcos faz uso de materiais que faziam parte de sua rotina de quando era operário. Embora pareçam de papel, as folhas de caderno são feitas de chapas de aço. Os trabalhos foram produzidos durante sua residência na Inclusartiz. A exposição apresenta 18 obras feitas em chapas simulando folhas de cadernos - elas dão vozes a vidas marcadas pelas questões críticas contemporâneas pautadas pela desigualdade e falta de mobilidade social, já que a nossa história foi contada por homens brancos.

Marcos começou a trabalhar com apenas 13 anos. Desde 2018 passou a viver da arte e suas obras resgatam os materiais que usava quando trabalhou numa fábrica de placas de sinalização. Neste ano, o artista foi convidado pelo Instituto Inclusartiz para ser seu novo residente. As folhas de caderno reproduzidas em chapas de aço foram pintadas com tinta óleo.

Segundo o curador Lucas Albuquerque, o pintor faz uso de três estilos visuais que se alternam entre a pintura em óleo de larga paleta cromática, o delineado em azul, ainda em óleo, que simula o desenho em caneta esferográfica, e o traço errante em grafite, que ora se projeta na forma de rasuras e rascunhos, ora em parágrafos que tecem comentários biográficos. "Marcos Roberto condensa tempos, memórias, sonhos, desejos e relatos, cujo movimento articulado se assemelha à maneira em que transmuta a materialidade em seu trabalho: as placas em aço adquirem leveza análoga ao tecido temporal tramado por suas figurações", analisa.

Autodeclarado artista, ativista e antirracista, Marcos instiga através da sua arte e faz refletir sobre as mazelas da sociedade. "Minhas obras incorporam todo o conhecimento que adquiri como operário na execução do meu trabalho. Além disso, uso a arte para denunciar os abusos que a classe trabalhadora sofre, como má remuneração, falta de direitos trabalhistas e a cultura escravocrata construída no Brasil desde o tempo colonial. A escola precisa formar cabeças pensantes, e o acesso das crianças a cultura e a arte é fundamental para esse processo", defende Marcos, que vem recebendo crianças de escolas públicas do município para conhecer suas obras e sua história.

Em sua ainda curta, porém promissora carreira como artista Marcos foi um dos destaques na SP Arte 2022. Também participou da mostra "Parada 7, Arte em Resistência" que ocupou simultaneamente o Centro Cultural Justiça Federal e o Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica.

Desde 2021 participa da exposição itinerante "Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os Brasileiros" que já passou pelo Instituto Moreira Salles e Sesc Sorocaba e chega ao Museu de Arte do Rio neste sábado (24).

SERVIÇO

PÁGINAS PARA UM TEMPO EM BRANCO

Galeria Movimento (Rua dos Oitis, 15 - Gávea)

Até 1º/7, de terça a sexta (11h às 19h) e sábados (13h às 18h). Entrada franca