A tela de Tarsila do Amaral que teve sua autenticidade questionada ao ser posta à venda por R$ 16 milhões em abril, na feira SP-Arte, agora é avaliada em R$ 60 milhões, ou US$ 11 milhões, pela galeria que tenta vender a obra, a OMA. O aumento de 275% no valor aconteceu após os herdeiros da artista divulgarem que uma perícia confirmou a autoria do quadro.
Em comunicado conjunto enviado nesta segunda-feira (19), a OMA e a Tarsila S.A., empresa dos herdeiros da pintora, não detalharam como foi feita a perícia nem informaram quais elementos levaram o perito Douglas Quintale a afirmar que a tela é verdadeira.
O novo valor pegou o mercado da arte de surpresa. Dono da Bolsa de Arte, a maior casa de leilões do país, Jones Bergamin, com experiência na venda da obra de Tarsila, afirma que, mesmo se nunca tivesse havido dúvida sobre a autoria, o quadro valeria no máximo US$ 6 milhões, ou cerca de R$ 30 milhões.
Bergamin comandou a venda de "A Caipirinha", de 1923, que faz parte da fase "Pau-Brasil" de Tarsila, quando a artista morava em Paris e retratou cenários emblemáticos do país. O quadro foi arrematado por R$ 57,5 milhões em 2020.
Entre as últimas vendas de obras da modernista, está ainda "Paisagem 3", tela de 1971 - sua fase menos valorizada -, que foi arrematada em um leilão em 2011 por US$ 410 mil, ou US$ 573,3 mil em valor corrigido pela inflação.
O valor que a galeria OMA pede agora se aproxima dos R$ 75 milhões desembolsados em 2019 pelo Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, para a compra de "A Lua", de 1928, que pertence à fase mais celebrada da artista, a "Antropofágica".
A avaliação da OMA também supera o valor pelo qual o quadro mais famoso da modernista, "Abaporu", foi vendido em 1995. Na ocasião, o colecionador argentino Eduardo Costantini desembolsou US$ 1,3 milhão, ou cerca de US$ 2,7 milhões em valor corrigido pela inflação.
Ainda que a o preço pago por Costantini tenha causado espanto à época por ser considerado baixo demais, por causa da falta de estrutura do mercado de arte do país à época, ele ainda é tido como referência entre marchands.
Se a venda for concretizada, os herdeiros de Tarsila receberão 5% desses R$ 60 milhões, o equivalente a R$ 3,5 milhões. É o chamado direito de sequência, previsto na legislação brasileira, que confere ao autor ou à sua família uma compensação financeira sempre que a obra for vendida.
Mesmo após a família de Tarsila afirmar que a tela é verdadeira, a sobrinha-neta da artista, Tarsilinha, diz que o mercado ainda desconfia da autenticidade do quadro. Tarsilinha é respeitada pelas galerias e pelos museus mundo afora devido ao seu profundo conhecimento da obra de Tarsila, construído ao longo dos 20 anos que passou à frente do espólio, agora sob o controle de Paola Montenegro, bisneta da artista. "Não concorda com o método de análise que foi feito", critica Tarsilinha, acresecntando que o quadro agora autenticado não deve afetar a credibilidade do raisonné de Tarsila, porque "sabem da seriedade das pessoas envolvidas no catálogo".
"Acho muito difícil essa obra ser comercializada, porque o mercado, todos os marchands e galeristas brasileiros, têm ciência de que não é autêntica. Não passou na mão de nenhum perito com conhecimento sobre a obra de Tarsila", reforça Bergamin. "Esse quadro pode ser vendido para um incauto, alguém que não circula no meio da arte. Pode ser vendido para um comprador, não para um colecionador."
Datada de 1925, a obra ficou no Líbano desde 1976 e só voltou ao Brasil em dezembro de 2023, segundo seu proprietário.
Thomaz Pacheco, o galerista que apresentou a obra, disse em comunicado que sempre teve o sonho de deixar um legado por meio de seu trabalho. "Me sinto muito honrado ao participar desse processo. Conseguir legitimar uma obra nova de Tarsila do Amaral, aumentando o reconhecimento da produção da principal artista brasileira e a segunda maior artista da América Latina. Estou em paz e com o sentimento de gratidão", reagiu.