Por: Affonso Nunes

Salgueiro com o corpo fechado para cruzar a Sapucaí

O enredo salgueirense evoca as mandingas trazidas da África e viaja por outras crenças populares Brasil afora | Foto: Roberto Narciso/Agência Brasil

O Salgueiro levará à Marquês de Sapucaí, neste carnaval, o enredo “Salgueiro de corpo fechado”. A vermelho e branco da Tijuca revisita uma tradição que tantas vezes a levou à disputa do título: a exaltação das matrizes africanas.

O carnavalesco Jorge Silveira afirma que este desfile representa um retorno às origens da escola num “mergulho sério e profundo na diversidade das culturas religiosas do Brasil”. A proposta é blindar simbolicamente o Salgueiro para atravessar a grande encruzilhada do sambista — a Sapucaí — recorrendo à memória afetiva e a seus ícones mais marcantes. “É o Salgueiro descendo o morro para disputar o carnaval, cruzando essa jornada tanto no plano material quanto no espiritual. Nosso enredo traduz na avenida os rituais de fechamento de corpo presentes em diferentes tradições religiosas brasileiras”, afirmou.

A narrativa começa com a chegada de africanos muçulmanos escravizados à Bahia, em especial os mandingas do Império Mali, no Norte da África. A partir daí, percorre diferentes manifestações da busca por proteção espiritual.

A cultura das bolsas de mandinga, trazida por esses povos, influenciou rituais e elementos da cultura brasileira. Nosso desfile passa pela Bahia, com os chamados escravos malês, pelo Nordeste e sua tradição do cangaço, pela sabedoria indígena e, por fim, retorna ao Rio de Janeiro para destacar a umbanda, o candomblé e a malandragem carioca.

O desfile se inicia com o Salgueiro descendo o morro e fortalecendo sua própria proteção. Em seguida, a narrativa resgata o legado do povo mandinga e a influência dos africanos escravizados. O trajeto avança pelo sertão nordestino, onde o cangaço incorporou amuletos e patuás, e segue pelo Norte e Nordeste para destacar a herança indígena. Nos setores finais, o enredo desembarca no Rio, evocando a espiritualidade afro-brasileira e o universo da boemia carioca.

ENREDO:  “Salgueiro de corpo fechado”

 

Prepara o alguidar acende a vela
Firma ponto ao sentinela, pede a benção pra vovô
Faz a cruz e risca a pemba
Que chegou exu pimenta e a falange de xangô
Tem erva pra defumar, carrego o meu patua
Adorei as almas que conduzem meu caminho
Ê mojubá Marabo invoque a lua
Que o povo da encruza não vai me deixar sozinho
Sou herança dos malês, bom mandingo e arisco
Uso a pedra de corisco pra blindar meu dia a dia no tacho arruda e
Alecrim ooo!
Bala de chumbo contra toda covardia


Tenho a fé que habita o sertão, de Lampião, o cangaceiro
Feito moreno eu vou viver, mais de cem anos, no meu Salgueiro


Sou espinho qual "fulô" de macambira
Olho gordo não me alcança
Ante o mal a pajelança pra curar
Sempre há uma reza pra salvar
O nó desata, liberdade pela mata
E os mistérios do axé, meu candomblé
Derruba o inimigo um por um
Eu levo fé no poder do meu contra egum
Salve Seu Zé, que alumia nosso morro
Estende o chapéu a quem pede socorro
Vermelho e branco no linho trajado
Sou eu malandragem de corpo fechado

Macumbeiro, mandingueiro, batizado no gongá
Quem tem medo de quiumba, não nasceu pra demandar
Meu terreiro é a casa da mandinga
Quem se mete com o salgueiro acerta as contas na curimba

Autores: Xande de Pilares, Pedrinho da Flor, Betinho de Pilares, Renato Galante, Miguel Dibo, Leonardo Gallo, Jorginho Via 13, Jefferson Oliveira, Jassa e W.Correa