Por:

Rosa animada de Bombay

Por Rodrigo Fonseca

Espacial para o Correio da Manhã

Foi via pedro Almodóvar, em "Fale Com Ela" (2002), e via Wong Kar Wai, com "Happy Togheter" (1997), que a atriz e animadora indiana Gitanjali Rao, de 50 anos, ouviu Caetano Veloso pela primeira vez, cantando "Cucurrucucú Paloma". Foi paixão imediata, pela canção e pela voz, cujo aniversário de 80 anos, comemorado no domingo, dia 7, ela só soube quando estava já em Locarno.

Mesmo assim, ficou de feliz de mostrar ao público do festival suíço, um dos mais prestigiados do mundo, a homenagem que prestou ao hino ao amor celebrizado pelo bardo baiano, ao incluí-lo na animação "Bombay Rose".

Lançada no Brasil pela Netflix, essa aula de delicadeza pintada manualmente por Gitanjali passa no evento de carona na presença de sua diretora no júri da mostra Cineasti Del Presente. Mostra onde o Brasil concorre com "É Noite na América", de Ana Vaz.

"Quando meu curta 'Printed Rainbow', de 2006, foi selecionado pelo Anima Mundi (maior festival do setor nas Américas, paralisado desde 2019, por conta de problema de patrocínio no governo Bolsonaro), fiquei sonhando com a chance de conhecer o Brasil, mas não aconteceu. Uma hora, quem sabe, eu consiga ir até vocês", torce.

"Tenho a sensação, pelos retornos que recebo de 'Bombay Rose', que nossas culturas têm semelhanças, sobretudo em relação o machismo. E é bom saber do aniversário de Caetano, mesmo daqui. No dia em que ouvi a canção dele no filme de Almodóvar, eu ainda não era realizadora. Vinha das artes plásticas. Mas jurei que ia incorporar aquela música num filme meu se um dia virasse cineasta. E deu certo", diz Gitanjali Rao, ao Correio da Manhã, num papo no lobby do Hotel Belvedere, um dos espaços mais belos de Locarno, onde o júri se agrega para suas deliberações.

Indicado à Estrela de Ouro no Festival de Marrakech de 2019, "Bombay Rose" é um mergulho na cultura indiana, e seus conflitos morais, estruturado como um painel de relações afetivas.

"O fato de termos uma personagem lésbica no filme nos impediu de vendê-lo para a China e fez com que muita gente, na Índia, negasse a orientação sexual da personagem, como se não quisesse ver essa realidade, preferindo crer que, quando ela se refere a um amor do passado, fala de um homem e, não, de uma mulher, como eu escrevi", disse Gitanjali, que rodou o projeto com US$ 2,6 milhões. "Perto do orçamento que você vê nos filmes animados de Hollywood, não é nada. Durante a pandemia, então, quando corremos atrás de financiamento, animadores de porte independente como eu éramos direcionados para os streamings, sem chance com o cinema".

Estruturado a partir de um mosaico de cor esplendoroso, "Bombay Rose" investiga diferentes núcleos narrativos de seu enredo. Temos de um lado a angústia de uma jovem vendedora de flores que quer arrumar um passaporte para partir do miserável contexto social onde vive. Do outro lado, vemos um jovem muçulmano que rouba rosas em cemitérios. Há ainda a saga de uma criança que se afeiçoa por um menino surdo e a história de uma professora de Inglês, já anciã, que, ao vender quinquilharias para um antiquário, revê uma história de amor LGBTQ .

"Chamam meu filme de Bollywood, em referência à indústria musical da Índia, mas ele não faz parte dela. O que eu faço é uma espécie de comentário muito particular de certos códigos desse filão. O que eu levei da realidade bollywoodiana par o filme foi um caso real de um stro que atropelou pessoas", diz Gitanjali. "Como não temos uma estrutura industrial, nossos animadores acabam trabalhando nos bastidores dos grandes desenhos de estúdio dos EUA. Eu ainda não tenho um novo projeto para desenvolver. Mas pago as contas animando o que me oferecem, atuando, dando consultoria. Os boletos não param. A gente se vira".

Um outro destaque do Panorama Suíço de Locarno é o curta de animação "Dans La Nature", de Marcel Barelli, sobre a conexão afetiva entre felinos, carneiros e aves do mesmo sexo. Na competição de curtas, uma produção franco-marroquina fez Locarno suspirar: "L'Ombre des Papillons", de Sofia El Khyari. Em 9 minutos, a diretora explora a imersão de uma jovem em um devaneio com borboletas. Existem mais dois bons filmes animados com fôlego pro Leopardo dos curtas: o polonês "Misaligned", de Marta Magnuska, e o japonês "In The Big Yard Inside The Teeny-Weeny Pocket". Sábado saberemos qual deles ganha.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.