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Longa vida ao príncipe do melodrama

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Definido entre os historiadores e os cineastas que o amam de paixão (Pedro Almodóvar, François Ozon, Guillermo Del Toro) como O Príncipe do Melodrama, o alemão Hans Detlef Sierck (1897-1987), mais conhecido pelo pseudônimo de Douglas Sirk, tem atraído artistas e cinéfilos da Europa em massa para a Suíça. Ele é alvo de uma frondosa retrospectiva na 75ª edição do Festival de Locarno. Dela constam 43 filmes dirigidos pelo cineasta. Ele concorreu à Palma de Ouro em 1939 (o ano em que o Festival de Cannes começou), com "Boefje", antes de angariar um séquito de fãs com "Tudo o Que o Céu Permite" (1955) e "Chamas Que Não Se Apagam" (1956). Todos esses títulos integram a seleção de Locarno, que celebra seu legado a partir do empenho de seu curador, Giona A. Nazzaro, em valorizar filões populares e ressaltar seus artesões mais brilhantes. Antes de Sirk, poucos enveloparam a narrativa melodramática com adereços estéticos tão sofisticados (e tão atentos às inquietações existenciais) quanto ele, em especial em "Imitação à Vida" (1959). Só o tijolaço de 416 páginas "Douglas Sirk, né Detlef Sierck" (Les Édtions d'Oeil), escrito pelo pesquisador Bernard Eisenschitz, curador dessa seção resgate do passado criativo do realizador germânico, já valeria aplausos para Locarno.

"Eu e meu cocurador, Roberto Turigliatto, estávamos interessados em ir além do clichê restritivo de Sirk, como mestre do melodrama, e dar o sentimento da sua unidade criativa dentro de diferentes contextos culturais", diz Eisenschitz ao Correio da Manhã. "Trabalhar dentro do sistema de estúdio e da disciplina do gênero permitiu que Sirk encontrasse sua liberdade, para produzir obras que respondiam ao conceito de arte que tinha sido seu desde os seus dias de teatro na Alemanha, nos anos 1920".

Não bastasse o aporte de Eisenschitz, selecionando longas rodados entre 1934 e 1978, na Alemanha, na Holanda e nos EUA, Locarno ainda convidou um superstar do cinema indie americano, Todd Haynes (de "Velvet Goldmine" e "Carol"), para falar sobre Sirk. Há 20 anos, Haynes lançou o que muitos consideram sua obra-prima, "Longe do Paraíso" (2002), com Julianne Moore, que foi todo inspirado em Sirk.

"Uma vez, conversando com Guillermo Del Toro, ele me disse com quele vozeirão dele: 'Eu não consigo parar de ver Sirk. Vejo, vejo, revejo, um atrás do outro'. Pois eu também, pois Sirk é um cineasta que mostrar a perspectiva de todos os personagens envolvidos num contexto e entender o lado de cada um deles", explica Haynes, em Locarno, onde mergulha nas salas onde o evento, que termina no sábado destrincha a obra de seu ídolo, como "Palavras ao Vento", de 1956.

Lana Turner, Rock Hudson, Jane Wyman e John Gavin deram a Hollywood alguns de suas mais inesquecíveis performances sob a batuta de Sirk. "Os filmes dele refletem tanto a sua imaginação como as circunstâncias em que foram feitos, diz Eisenschitz. "O contexto de seus filmes germânicos era a Alemanha no início do Terceiro Reich; ele trabalhou para (o estúdio) UFA até se tornar impossível para ele continuar sem aceitar compromissos, tanto estéticos como ideológicos, do novo governo. Nos EUA, depois de alguns filmes de inspiração mais europeia, como 'O Que Matou Por Amor' e 'Vidocq', ele tentou embarcar numa espécie de 'comédia humana'. Mas a mudança para o formato melodramático foi, a meu ver, um processo natural".

Entre os títulos contemporâneos projetados por Locarno, um dos que mais encantaram as plateias foi um melodrama americano: "Um Lugar Bem Longe Daqui" ("Where The Crawdads Sing"), de Olivia Newman, sobre os dilemas de um jovem acusada de matar o namorado.

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