Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã
Responsável por deflagrar um dos mais rentáveis filões do cinema brasileiro, a "neochanchada", ao lançar "Se Eu Fosse Você" (2005), a Total Entertainment foi o núcleo de produção carioca que primeiro captou a necessidade de retratar a emergência de novas classes sociais na Era Lula, quando uma política econômica fez com que o país alcançasse novas potências em suas fianças.
Abriu-se ali uma bolha de consumo e crédito, que elevou o poder aquisitivo de uma faixa da população classificada com as letras C e D. Um momento de euforia no qual a dinâmica cartesiana do "Penso, logo, existo" deu lugar a "Consumo, logo, sou", instigando um novo processo de subjetivação. Custou para as artes entenderem isso.
Na TV, essa dança das cadeiras históricas só se fez notar a partir da novela "Cheias de Charme" (2012). Mas o cinema nacional saiu na dianteira, via Total, que retorna a esse universo dos rearranjos familiares na sociedade brasileira (com a inclusão pela harmonia financeira) com "Minha Família Perfeita". É uma crônica de costumes sobre aceitação que se afina com a tradição das comédias musicais estreladas por Oscarito, Grande Otelo, Dercy Gonçalves, Zé Trindade, Ankito & cia. por seu espírito chargístico, ou seja, pela percepção acurada das cicatrizes do presente.
Decalcada de uma premissa vista em "Minha Família É Louca" (2012), de Renat Davletyarov, revista num roteiro emotivo de Leandro Matos e Saulo Aride", "Minha Família Perfeita" presta tributo à comédia italiana dos anos 1960 e 70, sobretudo "Romanzo Popolare" (1974), de Mario Monicelli (1915-2010). A direção de Felipe Joffily, craque em trabalhar com elencos agigantados, atualiza as alusões e as reminiscências ao cinemão da Itália d'outrora, traduzindo bem as inquietações vividas hoje, nos anos 2020. Pra isso, conta com um Vittorio Gassman contemporâneo, Antonio Calloni, para ajudá-lo, esbanjando carisma no papel de um ator vetorizado por mil vaidades.
Veronica Debom é outro achado, injetando humanismo na figura de uma atriz e cantora alquebrada.
Fotografado por Felipe Reinheimer com uma luz sem rebuscamento, "Minha Família Perfeita" escala Calloni e Veronica como integrantes de um falso clã contratado por Fred (Rafael Infante), publicitário de sucesso. Ele está prestes a se casar com Denise (Isabelle Drummond), mas sua família é completamente alucinada.
Com medo de perder a noiva, ao levá-la para conhecer seus parentes, Fred resolve encomendar um amor paternal e fraternal de uma trupe de estrelas de comerciais. Mas esse grupo é um convite ao desastre. E ao riso.
A partir das artimanhas e inseguranças dessa fake family, Joffily regressa a um princípio de seu seminal "Ódiquê" (2004): a hipocrisia instaurada que fabrica desacertos e imposturas.