Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã
Cada vez que um Festival de Berlim chega ao fim, a pergunta mais repetida entre jornalistas e demais convidadas/os é: que fim terão os estonteantes retratos das celebridades que passaram pela disputa oficial, pelo júri ou por mostras paralelas, exibidos no hall de entrada da sala de projeção do Berlinale Palast?
O clique do cearense Karim Aïnouz, quando foi jurado do evento, em 2022, com um sorriso gaiato, é um instante único. O mesmo pode se dizer de uma despojada Sigourney Weaver, posando de terninho, pouco depois da exibição de "Meu Ano Em Nova York", em 2020. Este ano, um enquadramento de Cate Blanchett, usando uma blusa quadriculada, transborda serenidade. Mais serena só a mirada de Peter Dinklage, protagonista de "She Came To Me", romance que inaugurou a 73ª edição da maratona cinéfila alemã.
Quem clicou todas as pessoas de maneira personalíssima foi Jens Koch, um alemão de 41 anos que se tornou o retratista oficial da Berlinale, desde que a atual curadoria, estruturada por Mariette Rissenbeek e Carlo Chatrian, assumiu, há quatro edições.
"Quando eu tinha uns 16 anos, eu entrei de penetra no tapete vermelho de Berlim, todo abusado, a fim de conseguir umas fotos, e vi George Clooney e Leonardo DiCaprio passando ali. Na sequência, virei fotojornalista, totalmente na prática, sem curso, e sem ambições de um dia trabalhar com cinema. Há quatro anos, entrei nesse cargo da Berlinale, sem qualquer olhar prévio acerca da luz ou de enquadramento, atento apenas à boa sorte que a iluminação pode me trazer num instante, num acaso", explicou Jens ao Correio da Manhã.
Sua dinâmica de trabalho é correria pura. Ele espera os convidados mais esperados do festival se posicionarem no Hotel Hyatt, que fica ao lado da Berlinale Palast, convida cada um para um pequeninho estúdio improvisado numa das alas da luxuosa hospedaria.
Lá, tem minutos para estruturar a luz precisa, ajeitar o obturador de sua câmera e clicar, contando com a disposição de cineastas veteranos, como o francês Philippe Garrel, ou talentos recém-chegados aos sets, como a estreante Celine Song. Na sequência, as imagens que faz são enviadas para tratamento de cor e para impressão, em forma de painéis gigantes. Na presidência do júri deste ano, a atriz Kristen Stewart não fugiu de suas lentes, abrindo a camisa de um jeito maroto, pra deixar o umbigo aparecer, numa composição delicada. Já a diretora colombiana Diana Bustamente, jurada do troféu de Melhor Documentário, optou por um ar mais intelectual, valorizando seu óculos de armação bojuda.
"A chave desse trabalho é saber enquadrar atitudes, não rostos. Existe um instante em que a pessoa se solta e te oferece o ângulo exato, numa posição inesperada. A foto vem daí", explica Jens, que não tem tempo de conferir os longas das estrelas e cineastas que retrata. "O tempo é cronometrado aqui, no corre-corre, e eu gosto de me entregar com calma e respeito ao que vou assistir no cinema. Em algum momento, eu consigo ver tudo. No festival de 2021, por exemplo, por conta da pandemia, houve uma edição competitiva online. Mas, depois, os filmes foram reapresentados presencialmente, numa espécie de Berlinale Summer Edition. Ali, tive que correr para fazer as fotos em locais abertos, preservando os protocolos relativos à covid", recorda.
Em seu histórico de trabalho, Jens tem uma história de fazer inveja às narrativas que brigam pelo Urso de Ouro: em 2010, ele e um colega jornalista, Marcus Hellwig, passaram quatro meses presos no Irã, sob ameaça de uma pena maior, por terem entrado naquele país com o visto de turista e não o de repórter, para fazerem uma entrevista que não desceu bem nas autoridades iranianas. Mas eles acabaram sendo soltos.
"Hoje eu falo desse episódio com calma, mas foi um pesadelo", diz Jens, que consegue não se deslumbrar com as personalidades que retrata para o Festival de Berlim, comovendo-se só em casos muito especiais. "Este ano, o retrato de John Malkovich foi algo marcante. Ele veio a Berlim exibir 'Sêneca', que é uma narrativa experimental. A voz dele, sua performance, sua história, seu talento. Fotografar um artista desse porte é algo que a gente não esquece, mesmo na pressa do dia a dia de um festival tão grande".