Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã
Em apuros no mundo todo, represada pelas patrulhas do politicamente correto, a comédia vive dias amargos sobretudo no Brasil, pátria da chanchada, incapaz de performar nas bilheterias da mesma forma gloriosa com que se comportava até bem pouco tempo, antes da pandemia. Não há mais infalibilidade nas fórmulas de outrora. Há sopros de resistência no filão aqui e acolá, mesclados a regionalismos ("Cine Holiúdy") ou a grifes longevas (caso do esperado "Mallandro - O Errado Que Deu Certo"). Nesse cenário de tentativas e erros, um diretor de perfil anfíbio no trato com cartilhas de gênero, Diego Freitas, conhecido pelo thriller "O Segredo de Davi" (de 2018), vem se destacando aos olhos da crítica com o caliente "Tire 5 Cartas".
Seu humor tem um quê almodovariano, nada comportado, que desafia o moralismo atual. Lilia Cabral se livra de qualquer lastro de Mãe Coragem ou de vilã que traga da TV na construção de um papel sem amarras: a (falsa) cartomante Fátima.
Antes de sabermos quem ela é ou o que busca, há que se destacar a exuberante maquiagem do filme, numa caracterização que aposta numa paleta retinta de pigmentos. A fotografia de Victor Alencar realça esse colorido rebuscado, que se estende às belezas do Maranhão, onde a trama se passa.
É lá que Fátima vai se esconder depois de um quiprocó em Copacabana envolvendo uma joia e a ação de dois criminosos, vividos por Allan Souza Lima e (um hilário) Gabriel Godoy. Ela foge para se reencontrar com parentes, levando consigo o marido, um cantor que faz cover de Sidney Magal, Lindoval, papel confiado ao Jack Lemmon de Goiás, Stepan Nercessian. Ele nos dá um de seus mais inspirados desempenhos.
Cada virada de roteiro - mesmo as que flertam com o diabo da obviedade - ganham viço na tela, numa narrativa de peripécias que conversa com a tradição da comédia de costumes.
