'No Brasil muitas vezes somos colocados em gavetas', diz Gabriel Godoy
Escalado para o elenco do thriller 'O Sequestro do Voo 375', que será a atração de encerramento do Festival do Rio 2023, Godoy atraiu holofotes com 'Os 3' (2011) e engatou uma série de projetos na TV
Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã
Convite ao sucesso comercial para o cinema brasileiro, "Tire 5 Cartas" traz em seu elenco um ator prolífico, que, de novela em novela, de série em série, de filme em filme, constrói um riquíssimo patrimônio simbólico de personagens: Gabriel Godoy.
Escalado para o elenco do thriller O Sequestro do Voo 375", que será a atração de encerramento do Festival do Rio 2023 (agendado de 5 a 15 de outubro), Godoy atraiu holofotes com "Os 3" (2011) e engatou uma série de projetos na TV.
Gravita bem do riso ao drama, passando também por outros exercícios de gênero, como a distopia, vide o recente "Fluxo". Seu ferramental cênico é plural e sua habilidade de traduzir angústias por meio de silêncios é singular. Na entrevista a seguir, ele explica como constrói sua persona evitando engessamentos e rotulações.
Em 2011, seu talento chamou a atenção da crítica, nas telas do Festival de Paulínia, com o filme "Os 3". O que mudou na sua carreira desde então, sem que o cinema se descolasse do seu dia a dia? O que essa leva de novos filmes e séries te traz de mais desafiador e de mais enriquecedor?
Gabriel Godoy: "Os 3" é um marco na minha carreira pois foi o primeiro filme que fiz como protagonista, e ainda tive com um time de peso do nosso cinema como: Nando Olival, Ricardo Della Rosa, Daniel Rezende, Wellington Pingo, Thiago Dottori e tantos outros. Fui muito bem iniciado, mas o "engraçado" é que o meu segundo filme foi somente em 2017, ou seja, seis anos depois. Essa é uma carreira muito sem lógica e estranha. Não é só sobre ter talento. Realmente precisa ter muita paciência, estômago e paixão. Eu fui entendendo que não posso depender apenas do lado ator, mas também produzir as minhas coisas. Hoje estou com minha produtora, o Núcleo Criativo Prelúdio, ao lado do ator e produtor Pablo Sanábio e do diretor e roteirista Vinicius Vasconcelos, e isso faz com que estejamos sempre em movimento. Parados nunca. Temos mais de 13 projetos na nossa cartela entre séries e longas e estamos em processo de venda para produtoras e players. Mas, muita coisa mudou, pois, a partir de 2017. Comecei a ter mais oportunidades no mercado e quanto mais exercemos nosso oficio melhor ficamos. A gente vai ganhando confiança e maturidade. Hoje, com quase 40 anos, minha busca tem sido por papéis mais desafiadores e protagonistas, tomando sempre cuidado para não ficar rotulado como comediante, pois tenho muita vontade de ser desafiado em diversos gêneros. Penso também que a chegada dos streamings gerou mais oportunidades para quem estava fora da Globo, sem contrato longo. Foi justamente nesse momento que protagonizei "Desjuntados", na Amazon. Fiz duas temporadas de "Homens?", no Comedy Central. Fiz série na Sony, Fox e em outras plataformas. Porém agora o mercado deu outra reviravolta e mudou novamente. Com a Globo trabalhando por obra com grande parte do seu elenco faz com que o mercado novamente fique mais competitivo, pois todos os atores podem agora estar na TV aberta e streamings. Sinto que estamos em uma eterna transição e por isso precisamos ficar atentos para gerar nossas próprias oportunidades.
Neste momento em que se fala tanto de streaming, as séries e filmes para plataformas exigem um formato de trabalho diferente? Como? Qual é a rota que você tem construído envolvendo o streaming?
Penso que, com esse boom de séries que tivemos nos últimos cinco anos, as produções de séries começaram a ter quase um ritmo de novela. Planos de filmagens apertados e muita correria. Por isso, gosto tanto de fazer novela pois te deixa com uma prontidão para tudo. Lembro quando comecei a gravar a série "O Negócio", na HBO, em 2013, e o ritmo era de cinema. Poucas cenas por dia e tudo com muita calma. Difícil encontrar esse ritmo hoje em dia.
Qual é o perfil cômico que você busca em "Tire 5 Cartas" ao lado de estrelas veteranas como Lilia Cabral e Stepan Nercessian?
Em "Tire 5 Cartas" eu literalmente faço uma dupla de clown com o Allan Sousa Lima. Uma dupla de palhaço onde um "bate e o outro apanha", inspirado em "O Gordo e o Magro', "Três Patetas", Chaplin e tantos outros. Eu amo fazer comédia, mas é muito desafiador sempre. Precisa de ritmo, precisão, timing e principalmente uma boa dupla. O jogo cênico é uma delícia, ainda mais quando você tem bons parceiros que gostam de ser desafiados na comédia. Eu adorei ver o resultado em "Tire 5 Cartas". O elenco é espetacular e a minha dupla com a Lilia Cabral, Allan e a Mathy Lemos super funcionou.
Que cuidados, que sonhos, que disciplina um ator deve ter para fazer carreira hoje no país?
Penso que para ser ator no nosso país tem que ser apaixonado pelo ofício do artista e não pelo glamour que essa profissão possa trazer. É importante entender que ser artista não é estar na TV ou nos palcos. É sobre uma postura e uma responsabilidade social e política também. Também entender que cada um tem uma trajetória. Nunca se comparar ou ficar olhando a "grama do vizinho". Construir a sua carreira com seus ideais e com o que você acredita. Não ligar para os julgamentos que vão existir. Sinto que no Brasil muitas vezes somos colocados em gavetas: o comediante, o ator cult, o ator de musical. Isso é uma pena, pois não conseguem olhar para o todo. Estudamos artes cênicas justamente para sermos artistas multi. Lá fora um ator que faz comédia sempre é desafiado no drama. Aqui preciso ficar atento para não me enxergarem somente de uma forma. Por isso acho muito importante ter um planejamento, uma estratégia de carreira também. Mas mesmo assim é um mercado sem lógica. Hoje em dia, temos influenciadores, cantores, não atores como concorrentes... e faz parte. Sinto também que nosso mercado escolhe o ator/atriz da moda e esses não param de emendar um trabalho no outro, sem intervalo e sem descanso de imagem. Às vezes, esquecem que temos milhões de artistas espalhados pelo nosso país. E o que um atrista precisa é de: oportunidade.