Na melodia de 'Il Boemo'

Festival Ópera na Tela traz ao Brasil produção tcheca indicada à Concha de Ouro do Festival de San Sebastián

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Produção tcheca, 'Il Boemo' estreia em telas brasileiras

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Inédito em circuito comercial brasileiro, o drama tcheco "Il Boemo", que valeu ao diretor Petr Václav uma indicação à Concha de Ouro do Festival de San Sebastián em 2022, terá dupla exibição no Rio na próxuma segunda-feira, com sessão às 20h, no Kinoplex Fashion Mall e no Kinoplex Leblon. A projeção faz parte do Festival Ópera na Tela. Sua trama faz menção a um mito da música: József Myslivecek (1737-1781).

Alçado à condição de compositor respeitado na indústria europeia da ópera no século XVIII, o compositor de origem tcheca desafiou as convenções da música no Velho Mundo, a começar da italiana, onde fincou raízes, em busca do sucesso profissional. Lá, apoiou-se no prestígio de peças musicais como "Il Bellerofonte", de 1765.

Mas a reconstituição histórica de sua trajetória criativa, feita por Václav, está menos interessada em seu requinte estético e mais encantada na perversão do mundo em que ele forjou sua fama.

É a cartografia de uma sociedade em fase de decadência moral. Sua narrativa alcança uma mescla rara e harmônica de suntuosidade formal e intimismo, saudada com o aplauso caloroso das plateias do Festival de San Sebastián.

Sua projeção na maratona cinéfila do norte da Espanha, onde concorreu à Concha de Ouro, comoveu o público com sua exuberância. Sua direção de arte é de uma elegância notável. O mesmo pode se dizer de sua engenharia de som. É um espetáculo que se reporta a cults como "Amadeus" (1984), de Milos Forman (1932-2018), sobretudo pela citação a Mozart. Assim como o clássico de Forman, que foi compatriota de Václav, o longa sobre Myslivecek também fala de inveja no ambiente artístico.

Mundialmente premiado por "We Are Never Alone" (2016), Václav faz um painel de época com base na ambição. Fruto de uma realidade pobre, Myslivecek se agarra ao sonho de subir de vida apesar das dificuldades que enfrenta na competição com uma nova geração de poetas e compositores. Mas seu talento e sua fúria são irrefreáveis. Ao despertar a atenção de uma jovem que pode lhe abriras portas dos apreciadores de ópera, ele agarra a chance com selvageria, atropelando rivais.

Protagonista do longa, o ator Vojtech Dyk constroi a figura de Myslivecek como um criador inquieto, empenhado em deixar um legado para a História. A entrega do ator ao papel amplia a potência do protagonista e abre, a partir de seu desenho, um ensaio sobre a ambição. E, nesse ensaio, o diretor explora anomalias simbólicas de um universo que parecia na contramão do Iluminismo e do espírito renovador que gerou a Revolução Francesa e a Industrial. O perfil de József está na tela, amplo, detalhado, mas não são os fatos de sua cruzada artística que nos guia e, sim, seu instinto de sobrevivência de ética por vezes torta.