Laureado em janeiro com o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro por "Argentina, 1985", a terra de Ricardo Darín fecha 2023 numa fase de excelência como há tempos não se via, numa diversidade de novas vozes autorais, com direito a apostas em narrativas de gênero, que batem ponto na grade da Mostra de São Paulo.
Nesta terça-feira (24), às 13h30, a Reserva Cultural paulista leva seu público pelas veredas policiais portenhas com o estonteante "La Sudestada", de Daniel Casabé e Edgardo Dieleke, que brilhou em janeiro no Festival de Roterdã.
Em sua trama, Jorge Villafañez (papel de Juan Carrasco) é um detetive particular veterano que mora sozinho num apartamento em Buenos Aires. Discreto e meticuloso, ele tem o dom de fazer as pessoas se abrirem durante as conversas. Mas quando um novo caso o coloca no rastro de Elvira (Katja Alemann), uma coreógrafa, a tênue linha que separa observador e observado se transforma quando Villafañez embarca nas águas do Rio da Prata.
Carregado de fantasmas marxistas, "El Castillo", vencedor do troféu Horizontes Latinos no Festival de San Sebastián, na Espanha, bate ponto na Mostra às 15h40, no Espaço Itaú Augusta 4, com repeteco no dia 27, às 17h30, no Espaço Itaú Frei Caneca 5. Sob a fina direção de Martín Benchimol, o filme abre discussões sobre novas formas de opressão nas relações de trabalho. Ao adentrar o universo da aristocracia decadente, o longa faz um estudo das práticas de servidão, ao narrar as transformações na vida de uma mulher, Justina (vivida por Justina Olivo, que ganha de sua patroa um casarão abandonado, sem ter a noção do que vai encontrar por lá.
"Justina e eu ficamos muito amigos durante o processo de preparação de uma história que expõe o lado improvável da vida doméstica. Aqui, o trabalho é o ponto de partida simbólico para desbravarmos heranças histórias, materiais, de um sistema opressivo de trabalho", disse Benchimol ao Correio em San Sebastián.
"A solidão assombra a personagem no castelo que herdou como reconhecimento à sua dedicação a um mesmo patrão ao longo de anos".
Nesta quarta-feira, às 20h30, o Espaço Itaú Frei Caneca exibe outra sensação portenha de San Sebastián: a hilária comédia "Puan", de María Alché e Benjamín Naishtat, que deixou o evento espanhol com as láureas de Melhor Roteiro e de Melhor Interpretação, dada ao ator Marcelo Subiotto. Ele encabeça um elenco em estado de graça numa trama exuberante sobre ensino na seara da educação universitária pública de nuestros hermanos. Subiotto tem uma atuação elétrica no papel de Marcelo Pena, professor de Filosofia especializado na obra de Thomas Hobbes e de Martin Heidegger que tem a chance de assumir o posto deixado por seu antigo mestre. Sua vida é confusa, mas suas ideias são brilhantes. Mas o retorno de um apavonado colega de seu passado, Sujarchuck (Leonardo Sbaraglia), tira seus planos e sua paz do eixo. Mas o que poderia ser um duelo de vaidades se transforma - numa virada de roteiro brilhante - em um estudo sobre a luta diária de educadoras e educadores.
"A educação pública em meu país fez de mim o que sou e me deu perspectivas, mas ela passa por dificuldades inerentes a uma economia em crise", disse Subiotto ao Correio da Manhã. "Há um DNA cômico forte em 'Puan', embora o personagem central, o meu, esteja diante de um processo de luto pessoal, enfrentando mil problemas. Não é apenas a morte de seu colega mais velho e mestre que o abala. Ele encara a perspectiva de que sua juventude passou. O bonito no roteiro de María Alché e Benjamín Naishtat é retratar isso sem recorrer a piadas ou truques cômicos óbvios. É o contexto que nos leva ao humor".
Subiotto também foi premiado faz pouco (no Festival de Lima, no Peru) por "A Barbárie" ("La Barbarie"), que a Mostra exibe também nesta quarta-feira, às 21h30, no Reserva Cultural. Em sua trama, o jovem Nacho foge da violência da casa da mãe em Buenos Aires e busca um lugar para se refugiar com o pai, um fazendeiro com quem tem pouco contato. Na estância Santa Inés, um local regido pela luta de classes e pelo ódio velado, Nacho terá que entender seu lugar como patrão.
Além de "Puan" e "A Barbárie", os argentinos se orgulham de levar à Mostra a comédia "Arturo a Los 30", de Martín Shanly, sobre um rapaz com síndrome de Peter Pan que comete as mais variadas indiscrições. Num outro registro, mais trágico, sombras cercam o personagem central de "Almamula", de Juan Sebastian Torales, marcado por um desempenho tocante de Nicolás Díaz. No roteiro, um rapaz é alvo de múltiplas violências homofóbicas e decide fugir do preconceito se isolando numa zona rural assombrada por um monstro. A criatura ataca quem se entrega a seus desejos.
A Mostra de SP termina no dia 1°.