Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

CRÍTICA / FILME / LEONORA, ADEUS | PrimaveraTaviani

A urna funerária de Pirandello mobiliza 'Leonora, Adeus' | Foto: Divulgação

Prestes a completar 70 anos de cinema, Paolo Taviani segue filmando, firme e forte, apesar da morte de seu irmão, Vittorio (1929-2018), com quem construiu uma grife estética responsável por banhar a indústria audiovisual de ousadia. Começaram a filmar em 1954, com o curta "San Miniato, luglio '44", e lançaram, em 2017, seu último filme a quatro mãos, "Uma Questão Pessoal".

Foi o derradeiro trabalho deles em duo, lançado cinco anos depois de "César Deve Morrer", pelo qual obtiveram o Urso de Ouro de Berlim, em 2012. Mas Paolo se recusou a viver no luto, em silêncio. Aos 90 anos, levou à 72ª Berlinale, na Alemanha, uma das narrativas mais criativas e de plot mais original de todo o evento, "Leonora Addio", que saiu da competição com o Prêmio da Crítica, dado pela Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica (Fipresci). Sua escrita é finíssima e faz jus à ira que Taviani e Paolo esbanjavam em "Pai Patrão" (Palma de Ouro em 1977).

Trata-se de uma narrativa em dois hemisférios, umbilicalmente ligados, ainda que a primeira metade - com cenas de arquivo e imagens de "Paisà", de Rossellini, e de "A Aventura", de Antonioni - seja deveras superior à segunda. Mas há uma beleza em "Leonora, Addio" (título original) como um todo - à força da fotografia meio em cor, meio em PB de Paolo Carnera e Simone Zampagni. Mas é uma beleza triste, capaz de evocar a sensação de estarmos diante não de uma celebração da vida, mas de um testamento. Trata-se, contudo, de um testamento prospectivo, que clama pelas potências do cinema e seus deveres políticos de incendiar.

No tomo 1 do filme, vemos um périplo estatal do governo italiano, no Pós-Guerra, para remover as cinzas do dramaturgo e escritor Prêmio Nobel Luigi Pirandello (1867-1936) de um cemitério fascista em Roma e levá-las até um digno recanto na Sicília. O que se passa com sua mortalha é digno das situações inusitadas da peça "Seis Personagens à Procura de um Autor" (1921), pérola pirandelliana. É gente jogando cartas sobre a urna onde está o "morto", é gente se recusando a viajar ao lado do defunto cremado… É uma confusão atrás da outra, tendo sempre um inspirado Fabrizio Ferracane no papel do Delegado da Comuna Agrigento, a terra de Pirandello. O tomo dois nasce de uma fala repetida ao longo do primeiro hemisfério sobre o contraste entre velhice e juventude. A partir dela, Paolo Taviani faz uma adaptação do conto "Leonora, Adeus!" sobre consequências de um prego na mão de um imigrante. Essa segunda porção do longa é mais acadêmica, corriqueira, mas não lhe falta viço… nem dor.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.