Por: Rodrigo Fonseca (Especial para o Correio da Manhã)

No leme de Bressane

'Leme do Destino, um dos filmes que serão exibidos | Foto: Divulgação

Chama-se de "bressanismo" o misto de culto estético e profissão de fé referente à obra de um realizador carioca que, de 1966 até hoje, construiu uma das obras mais prestigiadas do país na seara do chamado Cinema de Invenção, uma linha narrativa na qual o alumbramento da plateia vem da poesia da experimentação. Nessa lógica, Júlio Eduardo Bressane de Azevedo é poeta. Seu cinema faz lirismo com o tempo e o espaço, o que justifica a honraria que a Mostra de São Paulo confia a ele em sua edição 47 o Prêmio Leon Cakoff, láurea batizada em referência ao criador do evento. 2023 tem sido um ano de apogeu para Bressane, a julgar pela reverência que recebeu do Festival de Roterdã ao projetar uma autoinvestigação de fôlego monumental arquitetado por ele e Rodrigo Lima numa reconstrução de cenas de arquivo de sete horas e 12 minutos chamada "A Longa Viagem do Ônibus Amarelo". Houve sessão dele na Mostra na semana passa. Mas a maratona paulistana tem mais uma produção dele para projetar: "Leme do Destino".

Tem sessão dele nesta quarta (1°), às 13h30, no Espaço Itaú Augusta. Na trama, duas amigas de longa data (Simone Spoladore e Josie Antello) vivem uma história de amor. Ambas escrevem. São autoras que escrevem para si, não para publicar, mas como maneira de viver. A conversa entre elas, os desejos, a arriscada existência e seus fantasmas, o privilégio da ferida e da danação, atravessam a fala, são uma confissão.

Em julho, Bressane emplacou seu longa mais pop, que acaba de entrar na grade do Canal Brasil: "Capitu e o Capítulo" - lançado no Festival de Roterdã de 2021 e laureado com os prêmios de Melhor Filme e Melhor Direção no Fest Aruanda no mesmo ano. Só agora ela encontra espaço em tela, entrando em cartaz nesta quinta-feira, revolvendo escritos de Machado de Assis (1839-1908).

Depósito de profecias

"A memória é um depósito de profecias", diz o cineasta. Em "Capitu e o Capítulo" - que confia sua personagem título a uma outra Mariana, Ximenes, em estado de graça em sua atuação -, Bressane posicionou-se com elegância em relação a pleitos de politização em relação às contradições do país. "A ideia de 'político' para definir o que eu faço é temerária, pois é um clichê que não dá conta de que tudo na realidade é político. A questão urgente que se faz notar numa discussão como essa é outra: o problema de educação é nossa maior carência".

Prestigiado em passagens por Cannes, Locarno e Veneza, o carioca Júlio Eduardo Bressane de Azevedo já rondou a obra de Machado de Assis em cults como "Brás Cubas" (1985) e "A Erva do Rato" (2008), mesclando semiótica e filosofia existencial no estudo de uma prosa que, segundo o diretor, "germinou a língua portuguesa". Mas há um novo deslizamento da estética machadiana para a cordilheira de símbolos que forma a narrativa bressanista com "Capitu e o Capítulo". É, de longe, o filme de visual mais arrebatador do cineasta na última década.

Mas "Leme do Destino" vai pelo mesmo caminho, amparado na estonteante fotografia de Pablo Baião. No Festival do Rio, sua projeção lotou, o que surpreendeu Bressane. Há uma máxima recorrente em suas entrevistas: "Pra mim, três pessoas é uma multidão". A frase é uma referência ao fato de o cinemão reagir mal ao experimentalismo radical do diretor.

A Mostra de SP termina no dia 1°.

 

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