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Números à francesa

Anatomia de uma Queda ("Anatomie d’Une Chute"), de Justine Triet | Foto: Divulgação

Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Desde janeiro, quando "Herói de Sangue" ("Tirailleurs"), com Omar Sy, bateu a marca de 1 milhão de ingressos vendidos em Paris, Marselha, Nice e arredores, o cinema francês vem celebrando a hipótese de voltar a emplacar vários longas na marca do blockbuster, de modo a recuperar a excelência comercial de anos pré-pandemia. Um dos grandes sucessos franceses do ano, ganhador da Palma de Ouro do Festival de Cannes, em maio, vai estar a partir de hoje na grade do Varilux: "Anatomia de uma Queda" ("Anatomie d'Une Chute"), de Justine Triet. O longa abriu a Mostra de São Paulo, no dia 19 de outubro, e terá sessão nio neste sábado, às 21h15, no Estação NET Botafogo.

Exibido ainda no Festival de Locarno, na Suíça, o longa estrelado pela alemã Sandra Hüller ganhou prêmios ainda em mostras em Sydney e Bruxelas. Foi o terceiro filme da História dirigido por uma mulher a levar a prestigiada honraria de Cannes para casa, precedido pelo cult "O Piano" (1993), de Jane Campion, e pelo igualmente aclamado "Titane", de Julia Ducournau. No Brasil sua estreia já está assegurada pela distribuidora Diamond.

Essa produção de 6 milhões de euros é uma trama de tons policiais sobre uma escritora, Sandra Voyter (papel de Hüller), acusada pela morte do marido e esmagada pela mirada sexista por trás dessa acusação. O roteiro foi escrito por Justine em duo com Arthur Harari. Sob uma ótica investigativa contra o sexismo, Triet renova um filão com um vasto histórico de sucesso popular, sobretudo em telas francesas, onde diretores como André Cayatte (1909-1989), famoso por "Somos Todos Assassinos" (1952) e "O Direito de Matar" (1950), consolidaram as narrativas judiciais como um veio dramatúrgico. "É um estudo sobre o espaço privado quando este é devassado pela sociedade. Tentei, pra isso, expandir os códigos dos `filmes sobre processos legais`. É uma análise das palavras da Corte", disse Justine ao Correio, em Cannes.

Embora não esteja na grade do Varilux aberta ao público, "Os Três Mosqueteiros: Milady" terá uma sessão para convidados, promovida pelo Telecine no Rio. É a sequência de um fenômeno comercial, chamado Dartagnan". Do início de abril até hoje, quando segue nas telas da Europa, a nova adaptação audiovisual de "Les Trois Mousquetaires", pérola literária publicada em 1844 por Alexandre Dumas (1802-1870), já vendeu 3,3 milhões de ingressos na França, fatiando a trama original em dois longas-metragens. Os números supracitados, que levam os exibidores francófonos aos sorrisos, correspondem só à primeira parte do díptico construído com arrojo formal, domínio espartano das sequências de luta e nenhuma extravagância por Martin Bourboulon (de "Eiffel"). O tomo 1, "D'Artagnan", é uma narrativa de introdução de um jovem aspirante a soldado do rei e sua amizade com um trio de guerreiros já consagrados, ao mesmo tempo que funciona - e bem - na ambientação de um enredo conspiratório contra o Rei Louis XIII, vivido por um Louis Garrel na plenitude de seu ferramental cênico. Para as novas gerações, alfabetizadas na cartilha da ação via "John Wick", trata-se de um eletrizante exercício dos códigos da ficção capa & espada, pautado pelo ethos do "Um por todos! Todos por um!".

No Brasil, sua dublagem é exemplar, com destaque para Hélio Ribeiro, astro rei de seu ofício que empresta a voz ao atormentado Athos, vivido por um Vincent Cassel em estado de graça. É um achado também o trabalho de Luiz Feier dublando o Porthos encarnado com humor por Pio Marmaï). Um Porthos bissexual, adequando o enredo de Dumas aos pleitos de inclusão da contemporaneidade. Igualmente prafrentex é a maneira como Romain Duris consegue fazer de Aramis um Casanova não machista.

No roteiro de Matthieu Delaporte e Alexandre de La Patellière, Eva Green entra em cena soberba como Milady, uma agente do Cardeal Richelieu (Eric Ruf) para desestabilizar o reinado de Louis XIII. Numa de suas artimanhas, ela falha em matar o quase mosqueteiro D'Artagnan, a quem o ator François Civil vai emprestar carisma, inteligência e retidão. O herói será a pedra nos sapatos dos múltiplos conspiradores que querem derrubar o status quo da França muito bem recriada no uso do chiaroscuro e na depuração de tons ocres, terrígenos, na fotografia de Nicolas Bolduc. O agilíssimo ritmo de montagem não impede que o espectador possa degustar o detalhismo dessa sagaz composição de luz de Bolduc. Que iguaria pop temos em cartaz!

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