Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

ENTREVISTA / DENIS MÉNOCHET, ATOR | 'Todo corpo tem vez'

Destaque do Varilux 2023, 'As Bestas' transformou Ménochet num dos mais populares astros da França | Foto: Divulgação

Integrante do júri do Festival de Cannes deste ano, Denis Ménochet não encolhe a barriga ao tirar fotos, tampouco tem vergonha de expor as gordurinhas ao aparecer sem roupa em filmes como "Peter Von Kant", que abriu a Berlinale de 2022. "Acredito que existam bons papéis para todos os corpos", diz o francês de 47 anos, ao Correio da Manhã, expressando sua aversão à gordofobia por trás da ditadura de corpos pasteurizados.

Pasteurizações comportamentais e morais são o foco do longa-metragem que valeu a ele o Goya (o Oscar espanhol) de Melhor Interpretação Maculina este ano: "As Bestas", com sessão agendada para hoje, em três cinemas do Rio, com sessões às 14h, na grade do Festival Varilux. Tem no Cinemark Downtown, no Espaço Itaú de Botafogo e no Estação NET Gávea. A direção é de Rodrigo Sorogoyen.

Na trama, um casal francês, Olga e Antoine (Marina Foïs e Ménochet), muda-se para uma vila no interior da Galícia, buscando proximidade com a natureza. Eles levam uma vida sossegada, plantam vegetais e recuperam casas abandonadas, mas não têm uma boa relação com os outros habitantes. Após rejeitar um projeto de energia elétrica eólica, dois irmãos da vizinhança se desentendem e levam a situação ao limite.

É um deslumbre ver Ménochet explodir em cena. Era bonito também vê-lo implodir no cult "Bastardos Inglórios" (2009).

Ali, sob a batuta de Tarantino, ele escancarava de vez todo o sofrer do fazendeiro Sr. Lapadite diante de um inquérito nazista, com lágrimas a escorrer entre goladas num copo de leite e baforadas num cachimbo. Visto faz pouco ao lado de Joaquin Phoenix, no exótico thriller psicológico de amor e terror "Beau Tem Medo", catapultou ainda mais o seu prestígio internacional. Cheio de humildade, ele virou um dos mais populares intérpretes europeus do momento.

A conversa a seguir costura um par de papos que o Correio da Manhã teve com Ménochet, entre os festivais de Berlim e de San Sebastián, de onde ele saiu ovacionado por "Peter Von Kant". Antes de ouvi-lo, anota a dica: há uma derradeira sessão de "As Bestas" no Varilux nesta quarta, às 14h, no Estação NET Botafogo.

O que 'As Bestas' te trouxe de mais potente?

Denis Ménochet: Antes de tudo vem a parceria com grandes colegas e poder dimensionar as formas como eu posso me encaixar na pesquisa que diretores e o elenco fazem da cena. Eu virei ator sem nunca ter feito teatro, de uma maneira inusitada. Fui a uma banca comprar seda para enrolar um baseado e vi um anúncio de um curso de interpretação. Fui lá, fiquei e acabei fazendo "Bastardos Inglórios". Apesar do meu visual rechonchudo, cevado a litros de vinho, eu acabei sendo chamado para vários longas, em papéis distintos. Nesse novo filme, tenho uma oportunidade de dissecar a psiquê alquebrada de um homem abalado pelo universo que o cerca, tentando proteger os seus.

Seu rosto tem sido uma presença constante no Festival Varilux nos últimos anos, num sinal de que sua produtividade é ampla. Como tem sido sua agenda?

Houve um momento, perto da estreia de "Peter von Kant" na Berlinale de 2022, em que me vi completamente afastado dos meus amigos. Logo depois do período mais crônico da pandemia, eu passei 11 meses da minha vida acordando e dormindo com as palavras "Ação!" e "Corta!" no meu ouvido. Uma hora tive que me ausentar e ir pruma casinha na Bretanha, ficar cercado de dois cães, golden retriervers bem grandões, que eu amo. Mas logo retomei o trabalho. Não dá pra parar. Eu me lembro do encanto que tive de filmar com Joaquin Phoenix e de ter perguntado para ele como é sua rotina. Ele foi bem-humorado e disse que se surpreende de ver que os diretores ainda o chamam apesar de todo o trabalho que dá. É um ator gigante. Vê-lo em cena a se preparar é como ver um Stradivarius ser afinado.

O audiovisual é cruel com a questão do peso? Como?

Quando eu me vi nu em "Peter von Kant" tomei um susto pois nunca tinha visto o quanto a minha bunda estava grande. Apesar disso, estou nas telas. Todo corpo tem vez. Você trabalha sempre, dependendo do que tem a oferecer aos papéis que te confiam. Boas coisas entraram em convergência na minha vida por eu ter confiança em mim e por agir como um skatista que se lança numa rampa em busca do movimento perfeito, mas curtindo o movimento.

De que maneira você avalia o empenho do cinema francês para manter as salas lotadas?

Existe streaming, existe a TV, existe o teatrão comercial, existe o teatr independente, existe a ópera, existem musicais... Mas, no fim das contas, o cinema é uma fogueira que acende toda a indústria cultural pop que nos cerca. É bacana saber que a gente tem diversidade. O cinema francês se agarra nas diferenças, em termos François Ozon, em termos Céline Sciamma, em termos coproduções com a Espanha, como "As Bestas". Os irmãos Lumière, que começaram tudo isso eram franceses. Fomos nós que lançamos a "Cahiers du Cinéma". A gente investiu pesado na proteção do sistema de produção de filmes, como sendo uma tarefa de extrema importância para o governo. A gente está na luta.

 

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