Tem muito filé no cardápio do evento petropolitano, a começar pela estreia nacional do longa "De Pai Para Filho", de Paulo Halm, neste sábado, às 16h, seguido pelo aguardado "Vermelho Monet", de Halder Gomes, na sequência, às 18h. Mas a chance de prestigiar Saraceni e rever sua obra magistral torna a programação do festival um dever cinéfilo.
Estrela nos gramados nos anos 1950, quando jogava (com o gáudio de ser tricolor) pela escrete juvenil do Fluminense, o diretor carioca injetou lirismo nas veias do Cinema Novo. Passeou por Cannes em 1969, com "Capitu", e esteve por lá de novo em 1988 com "Natal da Portela", na Quinzena de Cineastas. "Só na liberdade é possível fazer um cinema diferente", dizia Saraceni.
No auge de sua performance futebolística, Saraceni resolveu virar cineasta após ter assistido a uma sessão de "Greed" ("Ouro e Maldição" no Brasil), de Erich von Stroheim. Entre 1962, quando rodou seu primeiro longa ("Porto das Caixas"), e 2011, ano de "O Gerente", derradeiro trabalho de sua vida, o diretor dedicou-se a filmar produções pautadas pelo lirismo. Uma das mais tocantes é o documentário "Banda de Ipanema — Folia de Albino" (2003). Na Retomada, Saraceni só teve chance de emplacar uma ficção: o já citado "O Viajante", que lhe rendeu uma menção especial da Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica (Fipresci) no Festival de Moscou, em 1999. A projeção em Petrópolis hoje abre a telona da cidade, Centro de Cultura Raul de Leoni, para o desempenho precioso de Paulo César Peréio ao lado de Nuno Leal Maia.
Com recorrência, o nome de Saraceni reabre uma controvérsia histórica em torno da frase "Uma câmera na mão, uma ideia na cabeça". Embora seja atribuída a Glauber Rocha (1939-1981), ela teria sido cunhada por Paulo Cezar. Mas o que de fato importava entre eles era a amizade, como ele disse ao Globo, em 2010, num dia de jogo da Copa do Mundo. "A morte do Glauber me dói todo dia. Pouco antes de morrer, em 1980, Glauber foi ao cinema comigo, ver 'Gigolô Americano', do Paul Schrader, com Richard Gere. Quando a sessão acabou, ele virou para mim e perguntou: 'Paulo Cezar, você sabe fazer isso aí? Sabe filmar como os americanos estão filmando?' E eu: 'Não.' Aí ele disse: 'Então, Paulo Cezar, você está fodido'. Acho que ele estava certo".
No início dos anos 2000, a Versátil prensou em DVD seu magistral épico existencialista "Anchieta, José do Brasil" (1977), que arranca de Ney Latorraca uma das atuações mais radicais de nosso cinema. Em 2011, a Mostra de Tiradentes abriu suas atividades daquele ano homenageando Saraceni com uma exibição em tela grande de "O Gerente", que tem o já citado Latorraca numa trama baseada em Carlos Drumond de Andrade (1902-1987). O Bardo de Itabira era um dos vetores líricos de Paulo Cezar, assim como o compositor Lupicínio Rodrigues (1914-1974). "O segredo de se filmar o amor é a dignidade", dizia Saraceni. "Rossellini ensinou o cinema a ser digno".