Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Robert Guédiguian: 'Marx está sempre comigo'

| Foto: Rodrigo Fonseca

 

Um ano depois de sua passagem por Copacabana, para uma visita ao Festival do Rio, Robert Guédiguian, espécie de pilar do marxismo no cinema europeu, finalizou uma joia de timbres políticos (como sempre lhe é peculiar), mas com alma de painel geracional, com a qual vem conquistando plateias mundo adentro: "Et la Fête Continue!".

A história de uma militante em xeque com os rumos da esquerda - vivida por Ariane Ascaride, parceira de vida e de trabalho do realizador - tem pela frente um pouco assegurado no Velho Mundo num evento que dá a seu diretor um merecido status de mestre. No domingo, Guédiguian vai receber o troféu Pier Paolo Pasolini na abertura do 48° Laceno d'Oro International Film Festival, em Avellino, na Itália. A láurea, honorária, recebe o nome do realizador de "O Evangelho Segundo São Matheus" (1964), que fundou o evento.

"Marx está sempre comigo. Ando na companhia desse senhor desde 1968, quando 'O Capital' me deu a percepção existe aquele que tem uma propriedade e aquele que não tem nada a perder. Entre eles há a contradição histórica que leva à dominação", disse Guédiguian ao Correio da Manhã, no Brasil. "Tive um impacto forte, ainda garoto, quando passei a ter convicção na divisão de riquezas a partir do meu encontro com a prosa de Marx. A leitura que fiz do 'Manifesto Comunista', nos tempos em que eu era garoto, fez com que eu acreditasse na luta de classes como motor perene da História. Essa leitura reafirma sua relevância no momento em que o mundo elege figuras como Trump e Bolsonaro como suas lideranças e vê Putin dando ordens. É o mito do 'pai dos pobres' nas vestes do populismo mais selvagem. Mito populista que trava o avanço da democracia. É para deslindar esse mito que faço cinema".

Premiado nos festivais de Veneza, San Sebastián e Valladolid com cults como "Uma Casa À Beira-mar" (2017), "A Cidade Está Tranquila" (2000) e "No Lugar Do Coração" (1998), o diretor francês construiu, de 1981 até hoje, uma das mais sólidas carreiras do audiovisual na seara sociológica do audiovisual. Exclusão é uma palavra recorrente em suas tramas, espelhando contradições econômicas. O último exercício autoral do cineasta de 69 anos que foi lançado por aqui se chama "Mali Twist" e já pode ser visto via streaming, no Reserva Imovision. Nele, Guédiguian desfocou suas lentes de sua Marselha natal, cenário de boa parte de sua filmografia, para se concentrar numa explosão socialista na África. Em terras malianas, um jovem leitor de Marx se apaixona por uma jovem que tenta fugir de um casamento arranjado. Na entrevista a seguir, ele aponta uma série de crises simbólicas da imagem.

"Para fugir de exotismos, eu tento dar nuanças aos personagens. Tenho um dirigente revolucionário como protagonista. Mas eu não posso reduzi-lo a suas causas. Ele é uma pessoa. Eu escolhi fazer uma trama histórica, que fala de manifestações políticas. A História, na escrita de um roteiro, é uma ideia. Uma ideia de tempo, de padrões de comportamento. Um personagem também é uma ideia, que remete a emoções, ações. O que eu faço, ao escrever um filme, é criar um teatro de marionetes com essas ideias, combinando uma com a outra, com critério", diz Guédiguian, que integrou o júri de Cannes em 2018, quando a Palma de Ouro foi dada a "Assunto de Família", de Hirokazu Koreeda. "Fazer cinema demanda a consciência de que o artista fabrica ideologias. A arte funda um povo. Todo cinema é um gesto político. Mas existem diretores que assumem essa natureza política. Eu não sou um cineasta comunista. Sou um comunista que é cineasta e defende suas ideias fazendo filmes.

Fundado em 1959, o Laceno d'Oro International Film Festival levará ainda Avellino o diretor americano Paul Schrader ("A Marca da Pantera") para receber um tributo pelo conjunto de sua obra nas telas, incluindo os créditos pelo roteiro de "Taxi Driver" (Palma de Ouro de 1976), que está em cartaz no Rio na Mostra Scorseses do Estação NET Botafogo, onde term sessão nesta sexta, às 21h40.

 

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