Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Estação Kaurismäki

Folhas de Outono | Foto: Divulgação

 

Chama-se "Folhas de Outono" o filme (já em cartaz) que pode render um Oscar à Finlândia. O Prêmio do Júri recebido em Cannes, em maio, e a aposta de que possa ser um dos concorrentes à estatueta da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood só ampliam o cacife de uma quase comédia muito romântica e um tanto etílica - assim como seu realizador. Aki Kaurismäki parece estar em seu apogeu.

Embora anuncie aos quatro ventos que parou de beber, o cineasta finlandês de 66 anos sempre põe uma caninha em seus filmes e já subiu ao palanque de grandes festivais mundiais trocando as pernas, falando com mais ironia do que costume.

Lucidez sempre foi a marca de seu cinema, iniciado em 1981, e já indicado ao Oscar, em 2003, por "O Homem Sem Passado", que lhe rendeu o Grande Prêmio do Júri de Cannes, há 21 anos. Porém, a bebedeira virou uma performance dele em público. Juram que ele estava sóbrio quando recebeu o Grand Prix Fipresci de Melhor Filme de 2023 por "Fallen Leaves" ("Kuolleet lehdet"), na abertura do 71° Festival de San Sebastián, no norte da Espanha.

É a segunda vez que o mais famoso realizador de sua pátria ganha a láurea anual da Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica. Recebeu a honraria antes, em 2017, por "O Outro Lado Da Esperança", que lhe rendeu ainda prêmio de Melhor Direção na Berlinale.

Nessa produção, que está no ar no streaming Reserva Imovision, ele exorcizava o demônio da xenofobia em terras europeias. Já o novo filme é uma história de amor, rasgada.

"Escrevi o roteiro desse novo filme em 30 horas, pois saiu tudo do meu inconsciente. Nós vivemos entre muros que construímos para esconder crimes cometidos atrás deles, a segregação, xenofobia. Esses erros pioram com o tempo porque a Europa está velha. Ela anda desatenta a seus erros. A Europa não existe", disse Kaurismäki em Cannes, em maio, quando concorreu à Palma de Ouro com "Fallen Leaves", título mundial de "Folhas de Outono".

Na Croisette, ele esbanjava humor em seu jeitão rabugento de falar, ao explicar a dimensão ética deste novo tomo de uma trinca de tramas sobre a classe operária. "Eu sou meio preguiçoso, em geral, e pensar numa ideia de trilogia me economiza trabalho de explicar teses", diz o diretor, aclamado por sua forma inusitada de fazer graça. "O som de um filme nasce conforme o barulho do vento age".

Enquetes populares e mesmo teóricas atestam a força de "Oppenheimer" como a potência audiovisual n° 1 de 2023 nas telas, porém, segundo as deliberações da Fipresci, que é a maior associação da crítica no mundo, nada desbanca a graça de "Folhas de Outono". Aos olhos da instituição, Kaurismäki, um dos realizadores mais cultuados de todo o planeta nas últimas duas décadas, pelo espírito satírico de sua filmografia e por sua estética cartunística. A decisão em prol de seu novo longa em San Sebastián foi tomada em uma votação online que mobilizou 669 integrantes da associação. A láurea chamada Grand Prix Fipresci foi criada em 1999 e já coroou artistas do quilate de Maren Ade, Pedro Almodóvar, Paul Thomas Anderson, Alfonso Cuarón, Jean-Luc Godard, Ryusuke Hamaguchi, Michael Haneke, Richard Linklater, George Miller e Chloé Zhao.

"Creio que Aki e Roy Andersson são cineastas que me deram uma visão cômica do mundo hoje", disse o cineasta sueco Ruben Östlund, ganhador de duas Palmas douradas e presidente do júri de Cannes deste ano, quando foi indicado a dois Oscars com "Triângulo da Tristeza". "Aki Kaurismäki tem um humor muito particular. O que talvez me faça ser próximo dele é o fato de ele carregar uma melancolia tipicamente nórdica no modo de olhar - e de mostrar - o que é, supostamente, trivial".

Em "Fallen Leaves", Kaurismäki escancara a ferida da Guerra da Urânia de maneira brilhante em seu novo roteiro, sempre propondo uma comicidade agridoce. Na narrativa, há um rádio sempre com notícias contra a Rússia ligado na casa da protagonista, Ansa (Alma Pöysti). Primeiramente, ela aparece no enredo como funcionária de supermercado, depois disso, vira faxineira de bar e, por fim, torna-se operária de fábrica. Sua vida é monótona, solitária e embolorada. Até as lasanhas congeladas que compra dão mofo. Mas tudo muda quando ela se encanta por um homem sem nome que conhece num karaokê, vivido pelo brilhante Jussi Vatanen. Ele também se encanta por ela, vive só e carece de um benquerer pra chamar de seu. Seu problema: ele bebe. Muito. Na ciranda entre o álcool e uma paixão verdadeira, o personagem de Vatanen sofre uma reeducação afetiva. E a gente senta no banco escolar da empatia com ele, num filme de que dificilmente se esquece. É a simplicidade a serviço do lirismo.

"O método de Kaurismäki é 'old school' e é curioso: não se pode olhar para a câmera, não existem ensaios e tudo se resolve num take", disse Alma Pöysti, a Cannes.

 

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