Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Insaciável filão

| Foto: Divulgação

Voraz é o apetite de "O País da Pornochanchada" para levar aos cinemas a turma nostálgica que um dia, lá atrás, entre o fim da década de 1960 e meados dos anos 1980, aquietava seus hormônios à luz de um dos filões mais rentáveis de novo audiovisual.

Sem ignorar a picardia de seu objeto histórico, representado por títulos como "O Bem Dotado - O Homem de Itu" (1978) e "Lua de Mel e Amendoim" (1971), o documentário de Adolfo Lachtermacher entra em cartaz neste fim de semana apoiando-se em discernimento científico e afeto, sem perder a ternura... e o tesão. É uma investigação sobre uma forma divertida de retratar o erotismo.

"A comédia erótica - nossa pornochanchada - garantiu a sedução do espectador pelo cinema brasileiro", diz Lachtermacher. "Nosso cinema deixou de ser careta paradoxalmente durante a ditadura com esses filmes simples, mas que corriam no fio da navalha entre a objetificação dos corpos e a liberdade de quase tudo mostrar. É sempre bom lembrar que todos os grandes atores e atrizes brasileiros têm um pé na chanchada e na pornochanchada.

Vaselina, calças na mão, cartazes dos titãs gráficos Benício e Ziraldo e um star system cheio de carisma (Helena Ramos, Carlo Mossy, Aldine Müller), dilatando histórias que nossas babás não contavam, eram a argamassa do veio narrativo mais rentável do cinema nacional nos tempos plúmbeos da ditadura, indo até as portinhas da abertura e das Diretas Já! De 1969, quando Reginaldo Faria rebolou de popô de fora em "Os Paqueras", até 1985, poucos foram os formatos populares do audiovisual que tiveram tanto fôlego. A memória desses tempos, em que gozar era o verbo de ação de nossa dramaturgia na telona, é cartografada com inteligência por Lachtermacher.

Sexualidade livre

"Conforme avança a década de 1970 a sexualidade ingênua vai dando lugar aos filmes mais quentes, o que, aos poucos, tirou o espaço das obras que ainda não exploravam cenas de sexo explícito", diz o cineasta. "O que não dá para negar é que a representação do corpo feminino é o outro lado da moeda de uma sexualidade que começava a ser vivida de forma mais livre na sociedade, mesmo que em plena ditadura".

Com um ritmo de montagem delicioso, que desafia (e vence, de lavada) códigos convencionais de edição na trajetória do Brasil pela não ficção, o filme de Lachtermacher é uma triagem memorialista de um tempo em que o regime fardado restringia expressões livres e poéticas. Para contra-atacá-lo, nosso cinema foi buscar no sexo uma munição inusitada, com tramas sobre o querer. Correndo atrás de um filme inédito, rodado por seu pai, o também diretor Saul Lachtermacher, Adolfo abre o baú de um passado bem-dotado de picardia e de afetos, prestando um tributo a grandes estrelas.

"O filme conta a história do filho de um diretor dos anos 1960 e 1970 em busca do último filme inédito do pai, que ficou pronto mas não foi exibido. Nessa dinâmica, nosso documentário apresenta a pornochanchada como a filha ainda mais bastarda da chanchada da década de 1940 e 1950. Era um cinema que busca a relação direta com o público enquanto a televisão ainda engatinhava - muitos filmes na época passavam de um, dois milhões de espectadores, quando o Brasil não tinha nem chegado aos cem milhões de habitantes", diz Lachtermacher.

"Apesar de sofrer com um certo desprezo da crítica e de um público supostamente de elite, a pornochanchada apostava no clima de sedução que é a essência da situação do espectador numa sala e que é uma marca do nosso cinema popular. Além disso, a pornochanchada foi fundamental na consolidação de um mercado audiovisual forte e representativo, que agora temos que mais uma vez recuperar".

Durante a exibição do longa no Festival do Rio 2022, Lachtermacher destacou o perfil plural das estrelas de um cinema de tom erótico. "É importante destacar as grandes estrelas da pornochanchada e lembrar que elas eram também as grandes estrelas da televisão da época: Sandra Barsotti; Rossana Ghessa; Maria Lúcia Dahl, que morreu há pouco e é homenageada no filme; Elsa de Castro; Vera Fischer e outras atrizes talentosas e versáteis", diz Lachtermacher. "É importante que a gente não se esqueça de que atores como Ney Latorraca, Flávio Migliaccio, Perry Salles, Antonio Fagundes, Fábio Sabag também estiveram presentes nos filmes do gênero. Nosso star system se deve, em grande parte, às atrizes e atores que vinham de experiências no cinema e foram renovando uma TV cuja linguagem original ainda era muito ligada ao Teatro e ao Rádio".

 

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