Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

ENTREVISTA / ANSELMO VASCONCELLOS, ATOR, DIRETOR E PROFESSOR DE ARTES CÊNICAS | 'Meu olhar sempre foi, e ainda é, cinematográfico'

Anselmo Vasconcellos | Foto: Divulgação

Uma das maiores atuações que o cinema brasileiro produziu, em cerca de 125 anos de História, vai contagiar a plateia do Centro Cultural da Justiça Federal, o CCJF (Av. Rio Branco, 241), nesta terça, às 18h, na projeção de "República dos Assassinos" (1979), de Miguel Faria Jr., presente na retrospectiva em tributo a Anselmo Vasconcellos.

É ele, no papel de uma rainha da noite, quem transforma um retrato singular da corrupção policial do Rio num tratado geopolítico sobre a exclusão. Ao fim da sessão, o ator, que comemora cinco décadas de carreira, conversa com a plateia. Nesta quata-feira (13), às 18h30, ele retorna para uma apresentação do espetáculo teatral "A Cafona", de Maíza Tchelly Viana. No desfecho da encenação, vai conversar com a plateia, para relembrar as vitórias de uma travessia singular pela telona, pelos palcos e pela TV. Anselmo foi o agente Paco da série "A Justiceira" (1997), cravando um vigilante lendário em nossas telinhas. Aliás, na TV, ele ainda brilhou ao lado de Ronald Golias como Chacal, no humorístico "Bronco", e ainda roubou cenas sábado a sábado na trupe do finado "Zorra Total". Agora, no papo a seguir, ele explica sua dinâmica de criação: "Memorizo sentimentos.

Que caminhos o cinema abriu para você na investigação da realidade brasileira? Em que momento você teve, pela primeira vez, aquela percepção que define carreiras: "Agora eu sou um ator"?

Anselmo Vasconcellos: O cinema brasileiro entrou na minha vida muito cedo. Talvez tenha sido a ferramenta cultural primeira da minha formação, porque eu estudava no colégio Rui Barbosa, em Bonsucesso, e, na Praça das Nações, havia o Cinema Paraíso. Toda quarta-feira a escola era convidada a assistir uma matinê dos filmes brasileiros. Meu pai era amigo do gerente do cinema. Ele conseguiu que entrasse, sem que eu tivesse idade para isso, para ver uma sessão noturna de "O Assalto ao Trem Pagador". Eu devia ter 12 anos, mais ou menos, e aquela sessão à noite era para plateias a partir de 16 anos, ou uma coisa assim. Talvez, 14. Eu fiquei tão impressionado com o filme do Roberto Farias que eu sei uma cena de cor. É aquela cena na qual o Tião Medonho e os outros favelados se acertam com o personagem do Reginaldo Faria, conhecido como o Engenheiro. Na verdade, é ele que bolou o assalto. Tião Medonho se vira pra ele e diz assim: "Você falou para a gente não gastar o dinheiro, pra gente não comprar nada que chamasse a atenção, mas você comprou um Opala, e está desfilando com uma gata em Copacabana". Aí o personagem do Reginaldo Farias diz para o Tião Medonho: "Eu posso fazer isso, porque eu tenho olho azul". O Tião Medonho olha pra ele em silêncio e se vira pros outros camaradas assim: "Amarra ele e vamos jogar ele no rio, que é pros peixe comer os óio azul dele". Logo depois vieram "Rio 40 Graus" e outros filmes da Atlântida com uma pegada mais de comédia, mais de carnaval, que era uma coisa também muito forte na minha formação. Meu pai era carnavalesco.

É uma mistura de Rei Momo com Oscarito então... Como essa relação com a folia pesou?

Meu pai saía em bloco e me levava com ele. Então, essas tradições mais populares me pegaram. A Avenida Rio Branco era fantástica. Adorava ver as agremiações, desfilar nos blocos. A brasilidade faz parte da minha formação de uma maneira muito cinematográfica, mesmo quando não é pelo cinema provavelmente dito. Meu olhar sempre foi, e ainda é, cinematográfico.

Qual é o peso e qual é a libertação de somar 50 anos de carreira?

Você disse a palavra certa, pois é uma "libertação". Quando você tem uma longevidade na carreira e consegue continuar trabalhando, isso é uma vitória. Filmei "A Fúria" com Ruy Guerra e vou filmar de novo com Daniel Filho. Eu tenho o prazer de continuar com os grandes diretores e, ao mesmo tempo, de ser procurado pelos jovens. Três jovens, este ano, vieram a mim e me chamaram para fazer cinema. Isso me dá uma libertação, porque eu me descolo do passado, eu me descolo do que eu já fiz, eu me descolo da memória, eu me descolo da lembrança. Deslocado de tudo isso, consigo estar no cinema de agora, desfrutar do que eu posso fazer agora. O set traz para você sempre uma renovação. Num set, você nunca usa o que você já usou em outro set do passado, porque não é um retrovisor. Não temos espelhos retrovisores no cinema. A gente pode fazer citações, a gente pode fazer até falsificações de assinatura de uma maneira malandra, como a gente fez em "O Segredo da Múmia", por exemplo, que é um filme que usa a trilha sonora hollywoodiana para brincar de filme de cientista maluco, mas é brasileiríssimo. Celebrar esses 50 anos foi uma maneira de me deixar muito convicto de que sonhar é melhor do que ser. Que ser é não ser. Essa é a grande questão.

 

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