Candidato à Eternidade no imaginário da cinéfila nacional, por sua habilidade de cerzir pranto e gargalhada em igual medida, "Saudosa Maluca" levou um pedacinho de São Paulo às telas do recém-encerrado Fest Aruanda, na Paraíba, e saiu de lá coroado - de elogios e prêmios.
Mais encantador de todos os concorrentes ao troféu de Melhor Longa-Metragem do evento, o filme de Pedro Serrano recebeu quatro troféus em reconhecimento à sua força estética, a começar pelo troféu de Melhor Direção.
Com ele, o cineasta paulistano ganha um endosso estético para a sua obra autoral. Seu doce estudo sobre uma Essepê de outrora foi laureado ainda nas categorias Direção de Arte e Trilha Sonora, além de ter recompensado o cantor e compositor Paulo Miklos com a estatueta de Melhor Ator. O eterno Titã, transformado em astro com o cult "O Invasor" (2001), brilha em cena em seu desempenho como um dos principais cronistas musicais de São Paulo: Adoniran Barbosa (1910-1982). A produção forma um triunvirato autoralíssimo com dois outros belos trabalhos anteriores de Serrano: o curta "Dá Licença De Contar", de 2015, e o longa documental "Adoniran - Meu Nome É João Rubinato", de 2018.
Na trama de "Saudosa Maloca", Serrano nos leva a uma mesa de bar de SP, onde o velho Adoniran (Miklos, sublime) conta a um jovem garçom (Sidney Santiago Kwanza) anedotas de uma metrópole que já não existe. Lembra com carinho da maloca onde viveu com Joca (Gustavo Machado) e Mato Grosso (Gero Camilo), destacando a paixão deles pela atendente de bar e aspirante a estilista Iracema (Leilah Moreno, numa requintada interpretação).
No papo a seguir, Serrano traz uma perspectiva lúdica para a gentrificação.
O que mais te fascina na figura de Adoniran Barbosa e de que maneira ele te ajuda a entender a realidade de São Paulo nos tempos de hoje?
Pedro Serrano: Acho que o fascínio vem do estilo de suas composições que aparentam simplicidade, mas, são ricas em poesia, capazes de encher o peito de ternura. Sua voz rouca soa como o abraço afetuoso de um avô que, apesar de muito divertido, carrega uma certa melancolia no olhar. Eu me fascino com sua capacidade de nos fazer sentir saudade do que não vivemos ou, talvez vivemos, porque nada é mais atual do que a parcela de sua obra que se dedica a falar das transformações da cidade, de seu crescimento desordenado e de como os mais pobres ficam à margem do "pogressio".
Como funciona a sua metodologia de direção com Paulo Miklos e de que forma a relação dele com a música estreita os laços com a figura de Adoniran?
Eu e o Paulo estabelecemos desde o início que não queríamos uma imitação do Adoniran, mas, sim, uma livre interpretação dessa figura tão peculiar, mais preocupada em passar a sua essência do que reproduzir seus trejeitos e expressões. Isso faz ainda mais sentido ao lembrar que nosso filme não é uma cinebiografia. Fiz um compêndio que ajudava a entender "o jeito certo de falar errado" desenvolvido pelo "homi". Mas, dali pra frente, foi tudo na base dos subtextos, da relação entre os personagens. O Paulo é um ator muito aberto à escuta e entende muito rápido as intenções de cada cena. Ele é capaz de criar em cima do que a gente pede. Sem dúvida, o fato de ele ser músico e de ser paulistano pesou na escolha pro papel. Afinal, precisávamos de um ator que cantasse em cena.
Qual é a sua São Paulo e de que maneira ela encara o "pogréssio" nos tempos atuais?
A minha São Paulo é inteiramente permeada pelo "pogréssio". Nos últimos anos, minha rua viu todos os seus palacetes serem demolidos para construírem torres de incontáveis andares. O conflito de "Saudosa Maloca" segue sendo a realidade da cidade e é algo que sempre se manifesta nos meus processos criativos como artista.