Com curadoria da diretora e roteirista Sylvia Palma e do crítico Filippo Pitanga, a retrospectiva "Herzog - Além das Margens" recebe a plateia nesta quarta-feira (13) com o filme que jogou holofotes sobre o cineasta, após um período (curto) de pouca notoriedade entre o fim dos anos 1990 e o início dos 2000: "O Homem Urso" ("Grizzly Man", 2005), premiado nos festivais de Sundance, nos EUA, e Sitges, na Espanha. A sessão é às 13h15, na sede da Caixa Cultural (na Rua do Passeio, 38, Centro).
Às 15h20, tem "As Asas da Esperança" (1999) e, às 16h50, rola a joia "O Enigma de Kaspar Hauser", que deu a ele o Grande Prêmio do Júri de Cannes em 1975, além da Láurea do Júri Ecumênico e da Láurea da Crítica, dada pela Fipresci (Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica). Para sábado, às 14h, a mostra agendou um dos filmes mais potentes do diretor na década passada: "Encontrando Gorbachev", que brilhou no Festival de Tribeca 2019.
Para encerrar a programação dessa obrigatória imersão no olhar de um artista que é signo vivo de ousadia, no dia 23 de dezembro, Sylvia e Pitanga escalaram "Aguirre, A Cólera dos Deuses" (1972), um dos filmes europeus mais influentes da década de 1970. Seu foco está num recanto inóspito da Amazônia. É lá que a cabeça de Herzog anda neste momento. Anda empenhado em retirar do papel um documentário sobre uma fábrica da Ford na selva Amazônica, terreno que instiga sua imaginação pela potência de sua reserva ecológica e pela resiliência dos povos originários. O cineasta olha para as culturas indígenas numa mirada decolonial, existencialista. Além dela, existe a loucura, outro de seus fetiches. Desde seu primeiro longa, "Sinais de Vida" (produção de 1968, agendado pela Caixa Cultural para o dia 23, às 14h), ele vem explorando a insanidade em espaços geográficos nem sempre seguros, como vulcões e cavernas inóspitas. Algumas dessas aventuras, dessa sua geografia de risco, dessa poética singular alimentaram uma exposição exibida no início deste ano, na Deutsche Kinemathek, a cinemateca da Alemanha, em Berlim. Tratava-se de uma coleção de desenhos, objetos e, sobretudo, fotos que mapeiam toda a trajetória dele pelas telas, com destaque para sua passagem por Manaus, nas filmagens do cult "Fitzcarraldo", pelo qual recebeu a láurea de Melhor Direção no Festival de Cannes, em 1982. Retratos de Claudia Cardinale e de seu ator assinatura, Klaus Kinski (1926-1991) estampam as paredes do chamado Museu do Filme berlinense. Tem até um rato empalhado (ou talvez seja um boneco, ninguém da curadoria confirma) que acompanhou Kinski em suas noites como vampiro na versão que Herzog fez de "Nosferatu", de Murnau, à sua maneira autoralíssima, em 1979.
Na grade da Caixa Cultural, a porção vampírica da Klaus Kinski está agendada para domingo, às 15 - e vale MUITO ver "Nosferatu" na telona. Já "Fitzcarraldo" ficou para o dia 22, às 15h10.
"Eu já consegui extrair de atores como Nicolas Cage atuações bem-humoradas que te fazem sentir diante de uma comédia com Eddie Murphy, aquelas boas, hilárias, dos anos 1980, mas já consegui fazer com que pessoas sem qualquer experiência teatral se abrissem para a atuação, só focando no que a condição humana tem de mais simples, de mais corriqueiro. É preciso saber observar a Natureza. Os espetáculos todos brotam da Natureza", explicou Herzog ao Correio da Manhã em Cannes, há quatro anos, ao lançar "Uma História de Família", uma de suas raras ficções nas últimas duas décadas.
A menção a Nicolas Cage envolve o aclamado "Vício Frenético", com o qual ele concorreu ao Leão de Ouro em Veneza. Tem sessão dele, na Caixa Cultural, no dia 21, às 17h50. Ao narrar as tramoias de um policial viciado, ele renovou a legião de fãs que começou a angariar no fim dos anos 1960, quando integrou a nata do Cinema Novo Alemão, ao lado de Wim Wenders, Volker Schlöndorff, Rainer Werner Fassbinder e Margarethe von Trotta. "A loucura vira estética quando alimenta potências", disse Herzog na exposição berlinense. Agora é vez de o Rio se deixar contagiar por sua 'maluquez'.