Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

ENTREVISTA / MARTA TORRES, ESCRITORA E CINEASTA | 'Faltava dar voz e alma às plantas'

| Foto: Divulgação

 

De passagem pelo Festival de Cannes deste ano, atrás de parceiros e olheiros para seus filmes (como o porreta "Dividir Para Saquear"), Marta Torres encontrou na literatura um veio a mais desaguar a mescla de realismo e fábula a partir da qual deixa transcender sua inquietação em relação as contradições deste mundo. Escrito em português e inglês, "O Romance do Pé-de-Rosa e a Bananeira", nova expedição da atriz e cineasta às Letras, apela pro antropomorfismo, com um quê de Hayao Miyazki (o diretor de "A Viagem de Chihiro"), para falar da superação de obstáculos. O lançamento vai ser neste sábado, às 17h, no Estação Net Rio (Rua Voluntários da Pátria, 35), em grande estilo. Marta promove um encontro entre o mítico realizador Cacá Diegues, a advogada e ativista Marinete Franco, o fotojornalista Evandro Teixeira, o ator Lucas Leto, a atriz e influenciadora Pam Nascimento e a escritora Ezilda Melo para o lançamento. Cheia de referências cinéfilas, a autora brinda a prosa brasileira com um cordel em que animais, plantas e fenômenos naturais ganham emoções humanas de forma alegórica e fantástica. O poema é apresentado numa versão em inglês e inclui ilustrações para colorir, voltando-se para o público de todas as idades.

Na entrevista a seguir, Marta compartilha sua delicada inquietação e sua inquieta delicadeza com o Correio da Manhã.

De que maneira a sua relação com cinema, como realizadora, influi na sua forma de escrever literatura? Qual é o universo ao qual Pé-de-Rosa e a Bananeira se filiam?

Marta Torres: A literatura, o cinema e o direito na minha vida estão entrelaçados. Primeiro, veio a poesia; depois, o conhecimento das leis, funcionamento das instituições e defesa de casos de pessoas para conseguir atenção jurídica; finalmente, o cinema veio juntar esse mundo de fantasia com a realidade. Todas essas são formas diferentes da mesma coisa: contar histórias, desenvolver argumentos, expressar inquietudes. É nesse universo simbólico e surreal que "O Romance do Pé de Rosa e a Bananeira" surgiu. É uma forma alegórica e fantástica de convidar o leitor a se aventurar no cenário de um jardim e um apartamento, nos quais todos os seres vivos e fenômenos naturais ganham sentimentos humanos e ganham cores, que serão criadas pelo público leitor, passando assim a ser coautor dos personagens do livro.

De que forma a literatura norteia o seu olhar e onde a tua experiência da prosa carrega elementos regionais, marcas da sua história e da sua geografia?

Minha mãe é do sertão do Rio Grande do Norte. É psicóloga. Meu pai, do sertão pernambucano, é formado em Filosofia. Sou da terra das águas, Alagoas, e essa combinação está no ritmo, nas cores e nos assuntos dos meus livros e filmes, mesmo que tratem de coisas diferentes. É uma geografia semelhante à de Ariano Suassuna. A mãe dele e a minha bisavó eram primas (do lado dos Dantas). Então era para esses lugares que minha mente viajava nas histórias de meus avós, que escreviam cordéis simples e adivinhações, contando eventos do cotidiano, sem muito estudo, porém, profundos em sentimento. Meu avô vendia farinha no mercado no centro de Maceió. Minha mãe fazia a melhor farofa do mundo quando íamos todos os fins de semana para a (até então reservada) Praia do Gunga. Ou quando íamos para lagoas tranquilas e piscinas naturais cheias de bichos no mar, com que eu brincava como se fossem coleguinhas. Por isso, o diálogo com a natureza ao nosso redor é um assunto recorrente. A gastronomia, em nosso contato com o alimento, é tema destacado, e o modo de narrar está presente mesmo nos escritos de personagens de teatro ou filmes a que dei vida aqui ou fora do país, pois acredito que a cultura nordestina é uma forma particular de perceber o mundo e interagir com as pessoas e o universo ao redor.

De que maneira a Natureza se apresenta como personagem do livro?

Quando escrevi esse romance em cordel, estava concluindo o mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos na UFBA, na linha de bioética com "uma reflexão sobre o direito à vida para além dos seres humanos". Questionava por que somente nós somos considerados dignos de ter o direito de viver, tratando as demais espécies vivas como coisas. A conclusão a que cheguei foi que damos valor a quem nós entendemos a linguagem. Uma vez que faltava dar voz e alma às plantas, a história desse romance veio resolver essa injustiça. Quem conta é uma abelha fofoqueira e só fala o que viu, a mais pura verdade!

Quais seriam seus planos atuais para o cinema?

Pretendo transformar esse livro em filme de animação. Este lançamento é o primeiro passo. Agora acabei de concluir (junto a Lindenberg Oliveira e a finalização de edição de Daniel Garcia), o curta "Sweet Suit California", filmado em Los Angeles, com atores de várias partes do mundo. Também produzido de forma independente, este é diferente dos demais, pois introduz o viés que virá nas próximas produções: o horror inspirado em histórias reais. Cresci em meio a uma grande desigualdade social e a casos absurdos, como essa exploração da Brasken em Alagoas, mais uma sociedade anônima que espalha corrupção e destruição, e quem lucra sai impune. É muito evidente que estamos em guerras internas enquanto as sociedades anônimas nos distraem e saqueiam nossas riquezas. Como falou meu professor de História do Cinema, em períodos de guerras o Cinema tende a histórias que nos perturbam. O curta que lançarei em 2024 aborda a vida nas grandes cidades, o uso das redes sociais, a saúde mental. Como Cacá Diegues disse, "o audiovisual é a maior bomba atômica do mundo moderno". Então dou spoiler: vem bomba por aí.

 

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