Cerca de um ano depois do lançamento de "O Antigo Futuro" (Cia das Letras), Luiz Ruffato, um dos mais aclamados escritores do país, lança um site com seu nome - www.luizruffato.com - a serviço da literatura nacional, para consolidar todo o saber de sua prosa e alguma poesia.
A URL no momento em que uma das mais inquietantes transposições de sua escrita para as telas ganha holofotes internacionais: no dia 29, a Cinemateca Portuguesa vai projetar "Estive em Lisboa e Lembrei de Você" (2015). A joia do cineasta José Barahona será projetada por lá no ciclo comemorativo dos 25 anos da Associação de Imagem Portuguesa. Ao mesmo tempo, o filme pode ser visto aqui na Apple TV, para aluguel.
Existe um procedimento de interpretação original nesse corpo a corpo de Barahona com o belo estudo de Ruffato sobre êxodos. Há uma beleza ímpar na atuação desdramatizada (com ecos de Artaud) do ator Paulo Azevedo. Em passeios pela capital portuguesa, na pele de um mineiro de poucos recursos à caça de estabilidade (e de euros) em solo luso, Azevedo leva nosso olhar por caminhos investigativos novos no ofício de atuar. É uma composição de gestos controlados, poucas palavras, olhares sempre contemplativos (de si mesmo e do ambiente). Comporta-se como um estrangeiro em todos os mundos por onde passa, numa expressão de desamparo. É uma instância de investigação entre o Real e o Ficcional.
Espécie de istmo entre Brasil e Portugal, sob a ótica dos fluxos migratórios, "Estive em Lisboa e Lembrei de Você" teve uma passagem discreta em circuito, aquém de seu vigor. Foi nas páginas do romance homônimo de Ruffato que Barahona pinçou um enredo que é uma espécie de périplo transnacional em busca da felicidade. Realizador de "O Manuscrito Perdido" (2010), ele discute o mito de Portugal como um Eldorado para sul-americanos.
Foi com o livro "Eles Eram Muito Cavalos" (adaptado para o teatro nos anos 2000) que Ruffato passou a ser tratado como um pilar de renovação da narrativa literária da língua portuguesa. A força que se viu ali se manteve nos romances da série "Inferno Provisório", argamassa do longa "Redemoinho" (2016), de José Luiz Villamarim. "Estive em Lisboa..." pareceu antes.
Revirando suas memórias, Barahona se lembra de que, a partir dos anos 1990, em Lisboa, foi grande o fluxo de uma grande migração brasileira para Portugal. O que ele narra em seu filme devastador é a saga de um homem, Serginho, que, devastado em Minas, por perdas pessoais, arrisca-se Atlântico adentro, mergulhando na incerteza. Erra, mas persiste.