Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Lado pop do cinema autoral português vive uma temporada de grandes filmes

Mal Viver | Foto: Fotos: Divulgação

Celebrizado por narrativas curtas transformados em febre na internet, Bruno Aleixo - misto de cão e urso felpudo que, na ficção, é o ranzinza apresentador de um programa popular - pode satisfazer a necessidade do circuito exibidor brasileiro por narrativas natalinas. O divertido personagem pode garantir ao circuito momentos felizes de celebração do Bom Velhinho, com sua nova aventura em forma de longa-metragem, ao mesmo tempo em que demarca, em nossas terras, e nossas telas, a força do cinema português. Previsto para estrear cá até o início de janeiro, pelo estima o calendário da Filme B (site responsável por uma triagem do mercado), o hilário "O Natal do Bruno Aleixo", de João Moreira e Pedro Santo, passa atestado de excelência para a dimensão pop da recente cinematografia de nossos patrícios, que viveu um ano de achados. Essa boa fase já rende bons augúrios para 2024.

Confira uma lista de pérolas de Portugal que se destacaram nos festivais do mundo.

MAL VIVER, de João Canijo: Um merecidíssimo Prêmio do Júri na Berlinale deste ano há de trazer novos holofotes para um dos mais potentes artesões autorais lusos. Sua arena aqui é um hotel, que nos é apresentado pela perspectiva de suas donas e de suas funcionárias, com destaque para a atuação de Rita Blanco e Anabela Moreira. Um diálogo sobre o interesse de uma jovem em nadar, eletrificado por memórias de suas peraltices d'outrora (um beijinho num coleguinha de piscina), expõe o quão sutil é a carpintaria de escrita de Canijo, interessado em miudezas. São miudezas jamais cicatrizadas que, com o tempo, rasgam-se em feridas existenciais largas demais. A fotografia de Leonor Teles encapa as palavras do cineasta com uma luz austera.

NAYOLA, de José Miguel Ribeiro: Uma dase animações mais arrebatadoras do ano, egressa de Portugal, idealizada pelo realizador de "A Suspeita" (2000) faz um balanço dos traumas bélicos de Angola. Sua trama segue três gerações de mulheres afetadas pela guerra civil: a avó Lelena, a filha Nayola e a neta Yara. Um segredo doloroso, uma busca imprudente, uma música de combate, um amor suspenso e uma jornada de iniciação: essa é a fórmula do roteiro, que foi aplaudido com ardor no Festival de Annecy.

TRIO EM MI BEMOL, de Rita Azevedo Gomes: Esta joia brilhou na Berlinale e na competição do Festival de Mar Del Plata, homenageando um mestre da Nouvelle Vague, Éric Rohmer (1920-2010), ganhador do Leão de Ouro em 1986 com "O Raio Verde". Em 1987, durante o processo de escrita de "Quatre Aventures de Reinette et Mirabelle", Rohmer decidiu deixar de fora o quinto episódio do filme e, em seu lugar, transformá-lo em uma peça teatral. Inspirado em Mozart, ele a chamou de "Le Trio En Mi Bemol", e lançou esse exercício pelas artes cênicas no final daquele ano, no Théâtre Renaud-Barrault, sob sua direção. Agora, 35 anos depois, Rita parte do texto teatral dele para construir um ensaio sobre as incongruências do amor. Na trama, vemos uma série de encontros entre dois ex-amantes que ainda gostam muito um do outro. Mas, em sua versão, Paul (Pierre Léon) e Adélia (a ótima Rita Durão) discutem o querer.

NÃO SOU NADA, de Edgar Pêra: Há uma fotografia estonteante neste thriller psicológico que decorre dentro da cabeça de Fernando Pessoa, e fez sua estreia no Festival de Roterdã. No seu Clube do Nada, habitado por heterônimos, o poeta consegue concretizar todos os seus sonhos. Mas a entrada em cena de uma mulher sofisticada, muito diferente da Ofélia do mundo real, começa a desestabilizar o clube, enquanto o ultrajante heterônimo vanguardista Álvaro de Campos disputa a autoridade de Pessoa de forma violenta. A produção é de Rodrigo Areias, diretor de cults como "Hálito Azul" e do esperado .

RESTOS DO VENTO, de Tiago Guedes: Uma atuação impecável de Albano Jerónimo, astro de "A Herdade" (2019), alimente este thriller seco. Sua trama é uma espécie de "Sobre Meninos e Lobos" à moda portuguesa. No filme, vemos uma tradição pagã de uma vila do interior de Portugal que deixa traços dolorosos num grupo de jovens adolescentes. Vinte e cinco anos depois, ao se reencontrarem, essas pessoas se sentem marcadas por uma tragédia.

OBJETOS DE LUZ ("Objectos de Luz"), de Marie Carré e Acácio de Almeida: Uma radiografia do cinema português dos últimos 50 anos se desenha nas telas neste documentário ensaístico sobre a dimensão de transcendência da iluminação de um set. É um delicado exercício filosófico sobre a memória do audiovisual, produzida por Rodrigo Areias (de "A Távola de Rocha"). Acácio é um dos mais ativos diretores de fotografia da Península Ibérica e leva para as telas trechos de longas que iluminou de 1967 até hoje.

NAÇÃO VALENTE, de Carlos Conceição: Em sua competição anual pelo Leopardo de Ouro, o Festival de Locarno delirou com esta mistura agoniante e agoniada de relato histórico e alegoria, no qual fantasmas do colonialismo assombram personagens característicos de uma pátria outrora navegadora. Numa direção madura e ousada, o realizador de "Serpentário" (um cult de 2019) propõe um ensaio poético sobre as cicatrizes do expansionismo do Velho Mundo em terras africanos. Um expansionismo violento.

 

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