Por: Por Rodrigo Fonseca Especial para o Correio da Manhã

Indústria cinematográfica encarou a queda gradual de público com autoralidade

Uma grita se deu na web com a notícia de que Hélio Ribeiro não foi chamado para dublar Robert De Niro | Foto: Divulgação

Ainda tem muita sala de projeção à míngua e tem muito streaming multiplicando sua base de assinantes. A grave do Sindicato dos Roteiristas e a paralisação do Sindicato de Atrizes e Atores nos EUA prejudicou ainda mais os planos dos produtores para levantar potenciais blockbusters. Apesar de tudo isso, sucessos de bilheteria astronômicos perfumados de assinatura autoral se fizeram notar (e lotar) de janeiro até quinta-feira (28), quando estreou a última leva de filmes de 2023. O par de listas a seguir elenca o que vimos de melhor entre os filmes estrangeiros.

OPPENHEIMER, de Christopher Nolan: Segundo o diretor Paul Schrader, este é o filme mais importante do século XXI de CEP anglo-saxônico. Tem razão. Cronista especializados em figuras que gravitam por diferentes identidades ("Batman Begins"), tempos ("Tenet", "Interestelar") e deveres ("Dunkirk"), Nolan faz da biografia do físico responsável pela invenção da bomba atômica um ensaio sobre as sequelas do Poder. O desempenho de Cillian Murphy no papel do cientista J. Robert Oppenheimer evoca padrões de excelência da Hollywood moderna (Burt Lancaster, por exemplo). Sua bilheteria beirou US$ 1 bilhão, mesmo com todos o vocabulário científico em seu exuberante roteiro.

A BALEIA, de Darren Aronofsky: "Excesso" é a palavra mais essencial para entender e apreciar esta adaptação da peça homônima de Samuel D. Hunter, levada às telas pelo diretor de "Cisne Negro" (2010) a partir de uma arquitetura claustrofóbica, de planos fechados no corpo de seu protagonista. Abalado pela perda de seu companheiro, o professor de Redação Charlie deixou sua silhueta chegar à obesidade mais letal, ultrapassando 200 KG, para fazer de seu tecido adiposo uma armadura contra a dor. Mas ela pesa...e mata. Seu peso foi traduzido pelo olhar marejado de Brendan Fraser numa atuação avassaladora.

ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES, de Martin Scorsese: Indicado a sete troféus na festa do Globo de Ouro, este faroeste é uma adaptação ousadíssima, de três horas e 26 minutos, do livro de não-ficção "Killers of the Flower Moon: The Osage Murders and the Birth of the FBI", do jornalista americano David Grann. É um tratado histórico contra o racismo americano, que adotou os povos originários de seu território como objeto de intolerância, entre os quais a população indígena Osage. Dois musos da obra do diretor unem seus talentos em cena: Leonardo DiCaprio e Robert De Niro. A montagem de Thelma Schoonmaker equilibra tensão, conspirações políticas, melodrama e confronto de culturas, ao dar ao cinema uma heroína de fibra Mollie, papel de Lily Rose Mary Gladstone, atriz descendente dos indígenas Nimíipuu e Pikunis. Dona de terras, Mollie instiga o político Hale (De Niro) e seu sobrinho (DiCaprio).

BARBIE, de Greta Gerwig: Maior bilheteria de 2024, com US$ 1,4 bilhão de arrecadação, este tratado feminista embalou o mundo em tons de rosa e fez da estrela de "Frances Há" (2012) uma grife de sucesso em circuito comercial, consolidando a linha autoral de seu trabalho como diretora, já esboçada em "Lady Bird" (2017). Margot Robbie transforma a boneca da Mattel numa Jane Fonda em guerra contra o sexismo, ao mesmo tempo em que Ryan Gosling, em brilhante desempenho, destila o veneno do machismo.

TENGO SUEÑOS ELÉCTRICOS, de Valentina Maurel: Um dos filmes mais badalados da edição 75 de Locarno, com CEP na Costa Rica, concentra-se na reestruturação afetiva de uma família, após uma separação, com foco no processo de amadurecimento de uma adolescente criada num ambiente artístico. Eva (Daniela Marín Navarro) e seu gato são amigos inseparáveis que passam por problemas depois que a mãe decide expulsar o felino de seu lar. A saída par a menina é viver com o pai: um tradutor e aspirante a poeta (Reinaldo Amien Gutiérrez) que não parece muito disposto a crescer, mas ama a filha sobre todas as coisas. A fotografia de Nicolás Wong Diaz é um assombro, em sua habilidade de dialogar com códigos do realismo.

PUAN, de María Alché e Benjamín Naishtat: Um elenco em estado de graça, com destaque para Marcelo Subiotto, guia uma comédia exuberante sobre ensino na seara da educação universitária pública de nuestros hermanos. Saiu do Festival de San Sebastián, no sábado, com o prêmio de Melhor Roteiro e a láurea de Melhor Atação, dada a Subiotto. Ele tem uma atuação elétrica no papel de Marcelo Pena, professor de Filosofia especializado na obra de Thomas Hobbes e de Martin Heidegger que tem a chance de assumir o posto deixado por seu antigo mestre. Sua vida é confusa, mas suas ideias são brilhantes. Mas o retorno de um apavonado colega de seu passado, Sujarchuck (Leonardo Sbaraglia), tira seus planos e sua paz do eixo. Mas o que poderia ser um duelo de vaidades se transforma - numa virada de roteiro brilhante - em um estudo sobre a luta diária de educadoras e educadores.

SUZUME, de Makoto Shinkai: Única das 19 produções concorrentes ao Urso de Ouro de 2023 com perfil de blockbuster, este desenho animado contabilizou cerca de US$ 175 milhões em sua venda de ingressos, fazendo jus ao legado de seu diretor, responsável pelo fenômeno popular "Your Name" (2016). É um cruzamento de melodrama com fantasia, amparado numa direção de arte exemplar. Uma adolescente de 17 anos, cuja mãe morreu num tsunami, passa a ver portas misteriosas - algumas espalhadas pelo céu - que, se abertas, provocam cataclismas. Um deus-gato vai complicar seu empenho em fechar esses portais. Se não bastasse, o rapaz por quem ela se apaixona é transformado numa cadeira.

PACIFICTION, de Albert Serra: Queridinho da Cahiers du Cinéma", que o elegeu para o posto de Melhor Filme de 2022, este drama político de tons existencialistas rendeu a Benôit Magimel o troféu César de Melhor Ator e ganhou status de cult em sua reflexão sobre a paralisia de quem circunda esferas de Poder. Sua trama se passa na ilha polinésia francesa do Taiti, onde De Roller, um alto funcionário do governo da França vivido por Magimel, às voltas com o potencial retorno dos testes nucleares franceses. A ameaça de uma hecatombe atômica se mistura com experiências sexuais e angústias existenciais.

JOHN WICK 4, de Chad Staelski: Filme de despedida da franquia mais revolucionária do cinema de ação dos anos 2000, inaugurada com "De Volta Ao Jogo" (2014). Apoiado na cinemática (a escrita do movimento), este thriller desafia a lei da gravidade e repagina a representação do (anti-)heroísmo romântico extraindo de Keanu Reeves uma interpretação de poucas (e mascadas) palavras. Com o carisma nas alturas, ele regressa ao papel do assassino mais procurado do mundo. Caçado, ele resolve acertar suas contas com a organização chamada A Cúpula. Há uma sequência nos Arcos do Triunfo e uma numa escadaria que sequestram nosso fôlego sem aceitar resgate.

FOLHAS DE OUTONO ("Fallen Leaves"), de Aki Kaurismäki: Comédia triste laureada com o Prêmio do Júri de Cannes e com o Grand Prix Fipresci em San Sebastián. Seu diretor, o mestre finlandês das narrativas agridoces, escancara a ferida da Guerra da Ucrânia de forma brilhante em seu novo roteiro, sempre propondo uma comicidade agridoce. Na narrativa, há um rádio sempre com notícias contra a Rússia ligado na casa da protagonista, Ansa (Alma Pöysti). Sua rotina muda quando ela se encanta por um homem sem nome que conhece num karaokê, vivido pelo brilhante Jussi Vatanen. Ele também se encanta por ela, vive só e carece de um benquerer pra chamar de seu. Seu problema: ele bebe. Muito. O benquerer que brota entre eles será dos mais rascantes.

 

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