Rosane Svartman aborda doença terminal de forma tragicômica no filme 'Câncer com ascendente em Virgem'
Autora do fenômeno 'Vai na Fé', que recebeu prêmio de melhor novela por voto popular, junto com Paulo Silvestrini, acredita que dramédia é um espelho da vida: momentos de tristeza, alegria e superação
Responsável por um dos maiores fenômenos da teledramaturgia brasileira nesta década (o folhetim das sete da TV Globo "Vai na Fé"), a cineasta e novelista Rosane Svartman está de volta aos sets de filmagem, para narrar uma saga de resiliência nas raias da finitude. De certa forma, o tema da luta pela vida já fazia notar em seu filme anterior, "Pluft, o Fantasminha", de 2022. Mas o assunto ali era tratado pelas vias lúdicas da fantasia, inspirada por um marco do teatro infanto-juvenil. Em "Câncer com Ascendente em Vigem", que ela roda no Rio, tendo a atriz e também roteirista Suzana Pires como protagonista, o fantástico dá lugar à dramédia. A atual experiência da realizadora de "Como Ser Solteiro" (1998) é baseada na peleja inspiradora da produtora do filme, Clélia Bessa, para derrotar uma ameaça à sua saúde, hoje curada.
Durante o tratamento que a curou de um câncer de mama em 2008, Clélia lançou um blog que se notabilizou por seu tom de desabafo. Chamava-se "Estou com Câncer, e Daí?". A partir dele, Rosane estruturou a narrativa que promete emocionar o cinema brasileiro e arrancar de Suzana o que pode ser "A" atuação de sua carreira, o que significa muita coisa quando se lembra da brilhante interpretação dela em "Casa Grande" (2014) e seu divertido show de humor em "Loucas Pra Casar", sucesso de 2015.
Na trama filmada por Rosane, a protagonista é Clara, uma professora de matemática que faz o maior sucesso como influencer educacional em seu canal na internet. Sarcástica, por vezes debochada, ela gosta de manter tudo sob controle, mas vai precisar aprender a lidar com a vulnerabilidade quando descobre que tem câncer de mama. Com coragem e resiliência, ela enfrenta dias ruins e outros melhores ao lado da família e de amigas leais, sobretudo sua mãe, Leda, vivida por Marieta Severo. Enquanto luta pela cura, Clara tem a chance de celebrar a vida e de ressignificar seus relacionamentos.
No bate-papo a seguir, Rosane explica sua imersão numa dramaturgia de sobrevivência.
De que maneira a luta real pela qual a produtora Clélia Bessa passou orienta e gênese e a evolução desse seu roteiro? O quão universal é a história dela e o quanto desse universal se transfere para a Clara?
Rosane Svartman: A inspiração do blog real da Clélia, além da história em si, orienta principalmente o tom do filme. A história em vários momentos se afasta e se aproxima da situação original, englobando outras experiências que surgiram no processo de pesquisa e criação, mas o tom, emocionante e dramático - ou, por vezes, até engraçado -, orienta o gênero que o filme assume: a dramédia. É um gênero que acredito que espelha nossa vida - com momentos de tristeza, alegria e superação. Somos protagonistas de nossas histórias, que têm tudo isso.
De que maneira a saga de Clara contra o câncer, em prol da vida, permite que o filme converse com o drama, o melodrama e até o humor? Como o filme se posiciona em relação aos conflitos da personagem?
A vida de Clara ganha tintas mais fortes quando ela se vê diante do inevitável, da doença. Ela passa a olhar pra vida de outra forma e isso faz com que a narrativa possa trazer todos esses ingredientes, realmente. Então diante da possibilidade de morrer ela passa a valorizar cada momento. Como diz Ana Cláudia Quintana Arantes, "morte não é o contrário de vida, morte é o contrário de nascimento". Olhar a vida de forma mais atenta, carinhosa, com assombro e encantamento, faz parte desse processo de Clara.
Sua obra no cinema é marcada por diálogos com a juventude e com a infância, à exceção de "Mais Uma Vez Amor", que trilha uma rota pela comédia romântica clássica. O quanto desse novo olhar é desafiador? Que novo universo - se é que é mesmo novo - dá corpo a "Câncer Com Ascendente em Virgem"?
Acho que encontrar o tom certo no roteiro, na decupagem, na atuação, foi o grande desafio para mim como diretora neste processo. A proximidade com a Clélia - uma vez que eu vivi parte dessa história com ela - me ajuda a achar esse tom, que resgato nas minhas vivências e memórias, além de leituras, conversas. Além disso, pra mim, o importante é contar a história da melhor forma possível, usando as ferramentas do meu repertório cinematográfico e contar com o talento de quem constrói esse universo comigo. Isso todos os filmes têm em comum, mesmo que as estratégias sejam diferentes. Em qualquer filme o que busco é sempre isso: a melhor forma de ajudar o público a mergulhar na obra.
Qual (e como) é a troca com a atriz Susana Pires no set, uma vez que ela é uma voz criativa também na dramaturgia, no roteiro?
A parceria com Suzana é um dos pilares desse filme. A entrega dela como atriz impressiona e o olhar dela lá no início, a disposição e empenho em mergulhar no blog pra escrever o roteiro (com Martha Mendonça e Pedro Renato) também.