Veja as produções nacionais que mais se destacaram nos principais festivais do mundo
Resiliente, autoral e brasileira. De janeiro a dezembro de 2023 a produção audiovisual do Brasil suou a camisa para fazer sucesso de bilheteria
Onipresente no G7 dos grandes festivais do mundo (Roterdã, Berlim, Cannes, Locarno, Veneza, Toronto e San Sebastián) de janeiro até hoje, a produção audiovisual do Brasil suou a camisa para fazer sucesso de bilheteria, arrancando para o carinho do público com "Desapega", de Hsu Chien Hsin.
Depois dessa história de amor entre mãe (Glória Pires) e filha (Maísa), nossas telas aventuras com Luccas Neto, drama espírita ("Ninguém É De Ninguém") e até uma micareta tropicalista com uma diva da voz ("Meu Nome É Gal").
Teve lugar para narrativas de tônus laudatório (o estonteante "Nelson Pereira dos Santos - Vida de Cinema") e para longas dr animação ("Chef Jack", "Perlimps"). Teve de um tudo. Confira o melhor da festa.
INCOMPATÍVEL COM A VIDA, de Eliza Capai: Laureada com o prêmio da Anistia Internacional da Berlinale 2019 por "Espero Tua Revolta", Eliza começou a filmar sua gravidez durante a pandemia. Tudo parecia correr bem, até que veio o diagnóstico: o bebê em seu ventre tinha uma malformação. Um aborto seria a melhor solução. A complicada jornada da realizadora é acompanhada de perto na tentativa de poder realizar uma interrupção de gravidez de forma legal, em outro país. Abalada pela situação, a cineasta conversou com outras mulheres que, a partir do mesmo diagnóstico, viveram a angústia do luto parental.
CAPITU E O CAPÍTULO, de Júlio Bressane: Melhor Filme no Fest Aruanda de 2021, esta releitura filosófica que o realizador de "O Anjo Nasceu" (1969) faz de "Dom Casmurro", de Machado de Assis, levou quase um ano e meio para estrear. Ao chegar em cartaz, arrebatou a crítica e renovou o séquito de fãs do mito do chamado Cinema de Invenção. Mariana Ximenes carrega os Olhos de Ressaca mais famosos de nossa literatura para as telas, numa atuação inflamada. Destaque para a atuação de Cláudio Mendes no papel do agregado José Dias.
PEDÁGIO, de Carolina Markowicz: Um ano depois da boa repercussão de "Carvão" pelo mundo, sua realizadora reafirma sua excelência no rastreio de intolerâncias inerentes ao conservadorismo brasileiro, sobretudo a bestialidade da homofobia. Maeve Jinkings entra em cena no papel da mãe de um menino queer (Kauan Alvarenga) a quem ela submete a um tratamento de cura gay. Maeve e Kauan conquistaram o troféu Redentor do Festival do Rio.
NOSSO SONHO - A HISTÓRIA DE CLAUDINHO E BUCHECHA, de Eduardo Albergaria: Ímã de lágrimas, capaz de botar a plateia pra dançar (sentadinha na poltrona), este drama biográfico sobre o duo estrelas do funk melody nas Américas foi responsável pela maior arrecadação do ano, depois de vender cerca de 550 mil. Produtor na Urca Filmes, Albergaria apostou na ficção inspirado por memórias afetivas de sua mocidade, nos anos 1990, quando Cláudio Rodrigues de Mattos (1975-2002) e Claucirlei Jovêncio de Sousa (aka Buchecha) estouraram nas rádios. Comovente do começo ao fim, sem ser excessivamente melosa um segundo que seja, a produção apostou no carisma dos atores Lucas Penteado e Juan Paiva, que encarnam os bardos românticos por trás de "Só Love" e "Fico Assim Sem Você".
REGRA 34, de Júlia Murat: Hoje disponível na Amazon Prime, este drama foi o ganhador do Leopardo de Ouro de Locarno de 2022. Destacou-se no festival suíço com sua direção de arte detalhista e sua abordagem política do sexo. Sua protagonista, Sol Miranda, arrebatou elogios com atuação fina. Sol vive uma estudante de Direito que embarca em práticas sexuais BDSM (prazer com dor) e encontra na asfixia uma curiosidade que fascina e põe em xeque suas novas formas de curtir sua libido. Numa sequência de diálogo primorosa, o ator Rodrigo Bolzan faz um monólogo devastador sobre Direito Criminal.
FANTASMA NEON, de Leonardo Martinelli: É essencial que se saúde um curta-metragem que transcenda o ambiente dos festivais, como fez este musical carioca ganhador de cerca de 50 prêmios mundiais. A partir da vitória na competição Pardo di Domani, no Festival de Locarno de 2021, sua carreira internacional deslanchou e ele conseguiu entrar em cartaz, em programa duplo com o longa "Fogo Fátuo", do português João Pedro Rodrigues. Na direção, Martinelli narra o périplo de um entregador de iFood (Dennis Pinheiro, hoje um dos maiores atores e cantores do teatro cantado no país) numa cidade cheia de hostilidades.
MUSSUM, O FILMIS, de Silvio Guindane: A conquista de sete Kikitos em Gramado, o festival mais popular de nosso cinema, atraiu holofotes para esta biopic comovente, escrita por recordista de bilheteria no humor: Paulo Cursino. É seu melhor roteiro. Cursino bate bola fina com o produtor mineiro André Carreira, que, numa conversa com um dos filhos do eterno trapalhão, idealizou um projeto estimado em R$ 11 milhões para converter em ficção os feitos de Antônio Carlos Bernardes Gomes (1941-1994). Inclua aí sua luta contra a pobreza; a paixão pela Mangueira; o sucesso com os Originais do Samba; e o fenômeno na TV com Didi, Dedé e Zacarias. Ailton Graça vive Mussum na idade adulta, numa atuação de rasgar o peito da plateia.
O SEQUESTRO DO VOO 375, de Marcus Baldini: Raros foram os momentos em que o cinema brasileiro emplacou um filme de ação ultrapassando as patrulhas ideológicas e a imposição de utilizar os códigos do gênero a partir das convenções do thriller social, como "Cidade de Deus" (2002) e "Tropa de Elite" (2007). O diretor de "Bruna Surfistinha" (2011) driblou tabus ligados à representação da violência ensaiando um "Duro de Matar" nas alturas, para oferecer a nossas telas um herói. É esse arquétipo que Danilo Grangheia refina ao recriar os feitos de um piloto que, em 1988, teve de lidar com um sequestrador a bordo de um voo.
RETRATOS FANTASMAS, de Kleber Mendonça Filho: Começou em Cannes a carreira mundial deste experimento híbrido de não ficção, autoencenação e memorialismo. Sua narrativa parte de fotos antigas, que foram garimpadas nos mais variados acervos. Na telona, elas são mescladas a imagens de arquivos e registros pessoais de vida do realizador de "O Som ao Redor" (2012). Seu roteiro combina recordações afetivas, registros visuais diversos e reflexões sobre memória.
O LODO, de Helvécio Ratton: Artesão das narrativas infantojuvenis, o realizador de "A Dança dos Bonecos" (1986) flerta com tramas adultas, existencialistas, ao avançar pelas veredas do (extra)ordinário num diálogo com a prosa do escritor Murilo Rubião (1916-1991). A fotografia de Lauro Escorel, de um requinte apolíneo, favorece ainda mais o clima de vertigem do longa. Como (anti-)herói, o diretor mineiro escolheu um dedicado funcionário de uma seguradora de BH: Manfredo, vivido por Eduardo Moreira. Sua vida entra em turbilhão depois que ele visita psiquiatra: o Dr. Pink, personagem que Renato Parara desenha com ares de Vincent Price.