Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

'Oppenheimer' de Christopher Nolan é o maior premiado no Globo de Ouro e caminha para o Oscar bem confiante

Cillian Murphy encarna J. Robert Oppenheimer sob a direção de Christopher Nolan | Foto: Divulgação

Em exibição na MUBI, "Seguinte" ("Following", 1998) é um filme de mistério sobre identidades alquebradas que apresentou o inglês Christopher Nolan a uma indústria que, no domingo, teve de engolir a consagração dele com a entrega do Globo do Ouro de Melhor Filme (drama) e de Melhor Direção para sua obra-prima: "Oppenheimer". Coube ao longa-metragem de três horas de duração mais uma trinca de troféus: Melhor Trilha Sonora (Ludwig Göransson), Melhor Ator (Cillian Murphy) e Melhor Ator Coadjuvante (Robert Downey Jr.).

Sua trama revive os feitos e as angústias do físico que criou a bomba atômica, em meados dos anos 1940, em meio às horas derradeiras da campanha japonesa contra os Aliados, na II Guerra. Murphy vive o cientista, J. Robert Oppenheimer (1904-1967) e Downey vive seu algoz, o político e almirante Lewis Strauss (1896-1974), responsável pela Comissão de Energia Nuclear dos EUA.

A versão que Nolan nos conta sobre eles faturou espantosamente: US$ 952 milhões.

Nolan vem irritando muita gente (conservadora), que desacredita no casamento entre prestígio de crítica (por ambição estética) e fenômeno de bilheteria, desde o magistral "Batman Begins" (2005). Ele desafiou regras da contação de história via imagens em movimento com "Inception" ("A Origem", 2010), "Interestelar" (2014) e "Dunkirk" (2017). Teve apoio industrial da Warner Bros. nesses três sucessos, mas foi a Universal que apoiou seu projeto de levar o legado de Oppenheimer às telas. É o filme que faz dele um gigante, consolidando a travessia de riscos (na arte de ousar abordagens dramatúrgicas nada convencionais) pela qual ele ganhou notoriedade a partir de "Amnésia" (2000), hoje na grade do streaming Amazon Prime.

"Cresci numa casa de classe média baixa da Inglaterra num momento em que a literatura era a única forma de driblarmos as inquietações sociais que nos cercavam, libertando nossa imaginação. Mas quando eu tinha 7 anos, em 1978, meu pai me levou no maior cinema de Londres pra ver '2001 - Uma Odisseia No Espaço', numa sessão que comemorava os dez anos do lançamento do clássico de Stanley Kubrick. Saí da sessão com a certeza de que o cinema é capaz de tudo", disse Nolan em Cannes, numa masterclass sobre preservação de longas feitos em película, em 2018, quando abriu seu coração sobre sua formação. "Eu venho de uma escola noir, por conta do interesse do gênero nos conflitos sociais e nas ambiguidades que eles geram no dia a dia. O noir é uma derivação policial do melodrama, que entra em cena, nas telas, para qualificar situações de sentimentos extremos. Por isso, meus personagens se revelam por suas ações mais extremadas. Por isso, eu respeito as paixões que brotam da dimensão sensorial da imagem. No cinema que eu faço, a música tem um papel crucial: a trilha funciona como um relógio que dita o ritmo dos acontecimentos".

 

Reciclada, premiação reverenciou expressões autorais

'Barbie' ganha a láurea de Melhor Blockbuster, coroando seu faturamento de US$ 1,4 bilhão | Foto: Divulgação

Espectadores estadunidense conferiram a vitória de Nolan, há dois dias, via Rede CBS, que virou parceira do Globo de Ouro depois que a premiação, fundada em 1944 pela Hollywood Foreign Press Association (HFPA) passou a ser gerido pela Eldridge Industry, a partir de sua subsidiária, a Dick Clark Productions.

O comediante de origem filipina Jo Koy conduziu (bem) o evento, que correu risco de cancelamento após a pandemia sob acusações de abusos de poder midiático e baixa representatividade de populações negras, asiáticas e indígenas. Reciclada, a celebração das narrativas fílmicas e serializadas reverenciou expressões autorais.

Filme com maior número de indicações (nove) na festa do Globo dourado, o belíssimo tratado antissexista "Barbie", de Greta Gerwig, ganhou o prêmio de Melhor Blockbuster, categoria que nasceu este ano, a fim de reverenciar títulos que reataram a relação das plateias com as salas de projeção. Foi o longa de maior faturamento em 2923, com US$ 1,4 bilhão de receita. Saiu do Beverly Hilton, na Califórnia, ainda com a láurea de Melhor Canção ("What Was I Made For?", de Billie Eilish e Finneas O'Connell). Perdeu no quesito em que mais merecia ganhar, o de Melhor Filme de Comédia ou Musical para "Pobres Criaturas", uma reinvenção do mito de Frankenstein agraciado com o Leão de Ouro do Festival de Veneza, em setembro. Sua estrela, Emma Stone, recebeu o troféu de Melhor Atriz Cômica. O Melhor Ator Cômico de 2024 foi Paul Giamatti, imbatível no papel de um professor de História em "Os Rejeitados", de Alexander Payne, que estreia nesta quinta no Rio. Sua colega de cena Da'Vine Joy Randolph ganhou o troféu (merecido) de Melhor Coadjuvante. Ela vive uma chefe de refeitório e bedel de uma escola classe AA que, no Natal, é palco de encontros entre almas solitárias, como a de sua personagem e o de Giamatti.

Uma vez que a HFPA investe na separação de gêneros dramatúrgicos, o troféu de Melhor Atriz Dramática foi conferido ao desempenho magistral de Lily Rose Mary Gladstone (descendente dos indígenas Nimíipuu e Pikunis) por "Assassinos da Lua das Flores". Seu discurso comoveu o Beverly Hilton, ressaltando conflitos fundiários da América ao dar voz a nações como a Osage, retratada no longa de Martin Scorsese.

Houve realce para a produção animada do Japão na premiação da HFPA. Mais respeitado animador em atividade hoje, o octogenário Hayao Miyazaki teve sua grife de autor reconhecida com o Globo dado a seu "O Menino e a Garça", que faz enorme sucesso na venda de ingressos nos EUA. Sua arrecadação beira US$ 140 milhões. Estreia por aqui em março.

De CEP francês, o sublime "Anatomia de uma Queda" saiu aos sorrisos do Globo de Ouro. Foi o longa de abertura da Mostra de São Paulo e o grande destaque do Festival Varilux - e com razão. Visto por 1,3 milhão de pagantes na França, sua terra natal, o ganhador da Palma de Ouro de 2023 recebeu o prêmio de Melhor Roteiro e o de Melhor Filme de Língua Não Inglesa. A produção orçada em 6 milhões de euros traz uma trama de tons policiais sobre uma escritora, Sandra Voyter (papel de Sandra Hüller), acusada pela morte do marido e esmagada pela mirada sexista por trás dessa acusação. A narrativa foi escrita por Justine em duo com Arthur Harari. Sob uma ótica investigativa contra o sexismo, Triet renova um filão com um vasto histórico de sucesso popular, sobretudo em telas francesas, onde diretores como André Cayatte (1909-1989), famoso por "Somos Todos Assassinos" (1952) e "O Direito de Matar" (1950), consolidaram as narrativas judiciais como um veio dramatúrgico.

Pouco depois da entrega do Globo de Ouro, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood anuncia suas indicações no dia 23 de janeiro. A entrega das estatuetas será no dia 10 de março.

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