Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Anatomia de um sucesso

Sandra Hüller pode ser indicada ao Oscar pelo thriller judicial francês 'Anatomia de Uma Queda' | Foto: Divulgação

Depois de contabilizar 47 prêmios pelo mundo, a começar pela Palma de Ouro do Festival de Cannes, "Anatomia de uma Queda" ("Anatomie d'une Chute") viu sua sorte mudar, ao olhos da Meca do audiovisual - ou seja, Hollywood -, no último domingo, ao conquistar dois Globos de Ouro. Venceu nas categorias Melhor Filme de Língua Não Inglesa e Melhor Roteiro, que foi escrito por sua diretora, Justine Triet, em dupla com Arthur Harari. Sua estreia por aqui será no próximo dia 25, mas já existe uma forte cobrança da cinefilia brasileira pelo longa-metragem mais recente - e mais aclamado - da realizadora de "A Batalha de Solferino" (produção de 2013 que acaba de entrar no streaming, na grade da MUBI). Na França, pátria natal de Justine, há muita controvérsia em relação a seu filme (um "filme de tribunal"), que ficou em terceiro lugar no Top Ten de Melhores Longas de 2023 da prestigiada revista "Cahiers du Cinéma". Em terras francesas, 1.303.832 pagantes prestigiaram a trama que arrebatou o júri cannoise e encantou os votantes do Globo de Ouro.

Sobre o Oscar da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas hollywoodiana, "Anatomia de uma Queda" não terá vez no quesito Melhor Filme Internacional, pois o cinema francês preferiu indicar outro longa - "O Sabor da Vida", do vietnamita Tran Anh Hùng - como seu representante oficial. Apesar disso, como o cinemão estadunidense anda cheio de dengo em relação à diretora, ela pode ser oscarizada em outras frentes. Seu longa tem fortes chances de ser indicado aos prêmios de Melhor Roteiro Original e de Melhor Direção.

No fim do ano passado, "Anatomia de Uma Queda" recebeu cinco estatuetas na cerimônia de entrega do European Film Awards (espécie de Oscar do Velho Mundo), incluindo os prêmios de Direção, Montagem e atriz, dado à sua protagonista, a alemã Sanda Hüller ("Toni Erdmann"). A atuação dele vem sendo elogiada por onde o filme passa, inclusive no Brasil, onde (embora inédito em circuito comercial) teve projeções na abertura da Mostra de São Paulo e no Festival Varilux, que ocorreu em várias cidades do país.

"Tento criar um cinema que desafie a força da palavra, mas sem subestimá-la, explorando as angústias femininas, Gosto de personagens que me permitam desafiar a moral", disse Justine ao CORREIO DA MANHÃ durante o Rendez-Vouz Avec Le Cinéma Français, em Paris, pouco antes da finalização do longa que a levou a ganhar a láurea máxima de Cannes, em maio.

Conhecida por títulos regados de tensão como "Na Cama Com Victoria" (2016) e "Sibyl" (2019), Justine causou rebuliço em Cannes ao questionar o sistema político de Cannes, reclamando de seus desajustes sociais no palco do Palais des Festivals da Croisette. "O brado de Justine em Cannes expõe a dificuldade que nós mulheres ainda temos na luta para fazer cinema na Europa, mesmo diante do boom de longas de viés feminino", disse a cineasta Claire Denis, uma das mais aclamadas realizadoras francesas, ao falar da obra da conterrânea no Festival de San Sebastián, que também exibiu "Anatomia...". "O trabalho dela é impactante e pessoal".

Exibido ainda no Festival de Locarno, na Suíça, "Anatomie d'Une Chute" (título original) ganhou prêmios ainda em mostras em Sydney e Bruxelas. Foi o terceiro filme da História dirigido por uma mulher a levar a prestigiada honraria de Cannes para casa, precedido pelo cult "O Piano" (1993), de Jane Campion, e pelo igualmente aclamado "Titane", de Julia Ducournau.

Construído com base num orçamento de 6 milhões de euros, "Anatomia de uma Quda" é uma narrativa de tons policiais sobre uma escritora, Sandra Voyter (papel de Hüller), acusada pela morte do marido e esmagada pela mirada sexista por trás dessa acusação. O roteiro foi escrito por Justine em duo com Arthur Harari. Sob uma ótica investigativa contra o sexismo, Triet renova um filão com um vasto histórico de sucesso popular, sobretudo em telas francesas, onde diretores como André Cayatte (1909-1989), famoso por "Somos Todos Assassinos" (1952) e "O Direito de Matar" (1950), consolidaram as narrativas judiciais como um veio dramatúrgico. "É um estudo sobre o espaço privado quando este é devassado pela sociedade. Tentei, pra isso, expandir os códigos dos `filmes sobre processos legais", disse Justine ao Correio, em Cannes. É uma análise das palavras da Corte".

 

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