Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

CRÍTICA CINEMA: BEEKEEPER - REDE DE VINGANÇACarga explosiva, autoral e 'gore'

Jason Statham é o zangão de uma colmeia de agentes assassinos em 'Beekeeper' | Foto: Divulgação

Sob a afiada guilhotina do politicamente correto, o cinema de ação reciclou pelo advento de uma estética cinemática, de puro movimento, como se fosse um desenho do Papa-Léguas, com a franquia "John Wick", coroando um ex-dublê, Chad Stahelski, como diretor autor.

Existe ainda um outro veio, formalmente conservador, porém, enriquecido pelo melodrama, no qual o hoje septuagenário Liam Neeson encara o Mal enquanto externaliza os contratempos da madureza, da finitude do corpo.

Há uma terceira via, menos sutil que as outras duas, graficamente ousada na representação da violência, que se renova em circuito a partir deste fim de semana, com a estreia de "Beekeeper - Rede de Vingança". Nela, o heroísmo lapidado no início da década de 1980, com "Rambo" e "Comando Para Matar", na ótica do Exército De Um Homem Só, ganha um novo verniz, pop e coagulado. É o "filme de ação gore". O gore é um conceito inerente ao terror, tipo a franquia "Terrifier" (do palhaço Art), no qual sangue e tripas se espalham pela narrativa, das formas mais inusitadas e grotescas, beirando a pornografia de brutalidade.

É o que se encontra em "Beekeeper", fazendo dele uma expressão de coragem frente ao tom pudico que passou a guiar as tramas sobre heroísmo sob a patrulha ideológica da correção política. No papel do Apicultor, apresentando-se com a alcunha de Adam Clay, o inglês Jason Statham constrói (com parcos diálogos) seu herói mais avesso à moral castradora da indústria do entretenimento, resgatando um espírito de vigilantismo que só existia no Charles Bronson (1921-2003) dos anos 1970 e 80. A retidão inquebrantável dele evoca os samurais de Toshiro Mifune (1920-1997), embora sem espadas, pois ele usa o que tem pela frente (como um jarro de mel) como instrumento de seu revanchismo.

Diante do moralismo que vem estagnando a produção de longas-metragens do veio "polícia x ladrão" e empapando os filmes de super-heróis de coerções, a figura do Apicultor cai como injeção de anticorpos. É um resgate para uma forma vívida de testar os ideais de mundo que entortaram o molde do "guardião", do "salvador", do "escolhido", abrindo uma reflexão lúcida sobre nossos desamparos. Essa força vem do molde oferecido a Statham pelo roteiro avesso a verossimilhanças de Kurt Wimmer ("de Equiilibrium"), potencializado pela direção aeróbica de David Ayer, cineasta revelado em 2005, com "Tempos de Violência". Ele entrega às plateias o primeiro grande espetáculo do cinemão em 2024.

Ayer é uma figura controversa em Hollywood. Depois de uma firme colaboração com Keanu Reeves no hoje esquecido "Os Reis da Rua" (2008), ele despontou como promessa em "Endo f Watch" ("Marcados Para Morrer", de 2012, no qual retratava a ronda de dois policiais (Jake Gyllenhaal e Michael Peña) sob ângulos inusitados. Repetiu o feito com Schwarzenegger em "Sabotagem" (2014). Não só ele vinha com propostas de enquadramento incomuns, como torcia os limites de "caráter" de seus protagonistas, transpondo o limite do bom-mocismo. Fez o mesmo em "Corações de Ferro" (também de 2014), ao levar Brad Pitt, de tanque, até a II Guerra, chegando ao apogeu de seu escárnio com a ética do Bem em "Esquadrão Suicida", a maior bilheteria de 2016. Foi trucidado pela crítica em parte por não ter podido levar aos fãs do quadrinho homônimo da DC seu corte final. Acabou caindo em desgraça por isso.

Dali em diante, abraçado a seu rancor, passou a fazer um cinema ainda mais livre, vide o ótimo "O Cobrador de Impostos" (2020) e, este ano, chega ao melhor de si, por trás das câmeras, com "Beekeeper - Rede de Vingança".

Wimmer oferece a ele uma premissa que começa aterrorizante. Nos minutos iniciais, uma idosa administradora de um fundo de assistência (Phylicia Rashad) é roubada por meio de um golpe digital armada por uma organização que limpa as contas bancárias de pessoas na terceira idade usando um vírus digital e hackeando sistemas. Mas para azar desse bando remotamente liderado por um ricaço problemático Derek Danforth (Josh Hutcherson), a personagem de Phylicia tem como seu melhor amigo um Apicultor. O título usado pela figura virtuosa vivida por Statham (aqui dublado pelo genial Armando Tiraboschi) se refere a um ramo secreto do Serviço de Inteligência dos EUA que nem a CIA pode acessar. Os Apicultores são treinados para desafiar as regras da Física, da Biologia... Num dado momento, Statham pergunta: "Você quer seguir a Lei ou você quer a Justiça?"

Ao longo de 1h45, numa edição impecável, generosa com as sequências de diálogo e espartana nas sequências de pancadaria, o que o público verá é um estudo sobre o justiçamento, numa fronteira perigosa entre a inadimplência do Estado e a barbárie do indivíduo. O Statham gaiato de "Carga Explosiva" (2002) renasce aqui em ponto de bala. Na faixa do estilo gore, Ayer faz com que o astro arranque hemácias alheias sob os métodos mais exóticos. Destaque para o ótimo vilão de perna metálica vivido por Taylor James (digno de 007) e para a presença sempre espirituosa de Jeremy Irons na pele de um chefe da CIA aposentado.

 

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