Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

A vida é bela em Küstendorf

Pierfrancesco Favino estrela o exuberante 'Comandante', de Edoardo de Angelis | Foto: Divulgação

Consagrado duplamente com o Grande Prêmio do Júri de Cannes, por "Gomorra" (2008) e por "Reality" (2012), o realizador romano Matteo Garrone desponta entre os potenciais nomes na disputa pelo Oscar de Melhor Filme Internacional de 2024 (a ser entregue no dia 10 de março) com a fábula "Io Capitano". No dia em que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood anuncia seus concorrentes deste ano - 23 de janeiro -, o realizador vai exibir seu novo (e tocante) longa-metragem na Sérvia, num evento mucho loco: Küstendorf International Film and Music Festival. A edição de número 17 dessa micareta eslava, realizada num resort na vila de Mokra Gora, a cerca de três horas de Belgrado. Quem organiza essa festança cinéfila é o diretor Emir Kusturica, ganhador das Palmas de Ouro de 1985 (atribuída a "Quando Papai Saiu Em Viagem De Negócios") e de 1995 (dada a "Underground - Mentiras de Guerra"). Ele escalou Garrone para uma masterclass no início do evento, pois o prestígio de seu convidado só cresce desde a conquista do prêmio de Melhor Direção no Festival ne Veneza, em setembro.

A láurea corou uma narrativa que consegue cruzar universos fabulares para fincar (e bem) seu pé no chão, numa trama sobre perigos da imigração. "Io Capitano" carrega conflitos sociais, mas não perde seu foco nos códigos da aventura, com uma narrativa arrebatadora.

"Aventuras nos deram a chance de conhecer os arquétipos da psique humana, numa ponte direta com a cartografia de humanidades que os gregos, nas tragédias, começaram a documentar, recriando relatos como fábula", disse Garrone ao Correio da Manhã, por telefone, quando estava escrevendo "Io Capitano". O que eu procuro fazer ao operar com as fábulas é mesclar realismo e fantasia, levando um pouco de um para o outro, misturando o que é lúdico com o que existe de mais duro no real".

Além do Leão de Prata pela excelência de Garrone no comando do set, "Io Capitano" recebeu o troféu Marcello Mastroianni de Melhor Estrela Revelação (para Seydou Farr) e mais dez prêmios de júris paralelos. Farr vive um adolescente senegalês de 16 anos que se junta a seu primo de mesma idade, Moussa (Moustapha Fall) numa jornada de Dakar para a Sicília, em busca de uma vida melhor. Passa por toda a sorte de percalços para isso, encarando um deserto escaldante, tropas armadas e barcos lotados. É uma narrativa tensa, mas comovente, que dialoga visualmente com a tradição do grande cinema italiano moderno.

"Eu sou influenciado por muitos dos grandes realizadores do meu país", diz Garrone. "Se eu tivesse que fazer uma escolha radical acerca de quem mais me influenciou, falaria de Rossellini e Fellini, mas há todo um legado de Elio Petri, de Marco Ferreri e de Monicelli em mim. Eu tento preservar uma relação vívida com o passado, como muitos de meus contemporâneos fazem. Fico muito feliz em que que o cinema italiano tem atravessado nossas fronteiras, em parte pela diversidade do que fazemos, honrado os grandes mestres que nos antecederam".

Além de "Io Capitano", o Festival de Küstendorf promove uma competição de curtas e exibe uma leva de longas contemporâneos rechegados de provocações temáticas e inquietações narrativas, como "Comandante", de Edoardo De Angelis; "Lost Country", de Vladimir Perisic; "The Last Motorship", de Ilya Zhektyakov; e "Disco Boy", de Giacomo Abbruzzese. Serão exibidos ainda clássicos como "Ouro e Maldição" ("Greed", 1924), de Erich von Stroheim; "8 ½" (1963), de Fellini; "Wishing Tree" (1976), de Tengiz Abuladze; e "Sindicato de Ladrões" (1954), de Elia Kazan. Rola ainda uma sessão de novos autores, da qual fazem parte "Desperate For Marriage", de Sonya Karpunina; "A Gaza Weekend", de Basil Khalil; "Terrestrial Verses", de Ali Asgari e Alireza Khatami; e "My Swiss Army", de Luka Popadic.

 

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