Da Finlândia para a posteridade global
Indicada ao Globo de Ouro pelo premiadíssimo 'Folhas de Outono', a atriz finlandesa Alma Pöysti cai nas graças de Hollywood
Apesar da torcida organizada em torno de Margot Robbie (por conta da "Barbie") e de Emma Stone (com "Pobres Criaturas"), o Globo de Ouro de Melhor Atriz de Comédia pode parar num CEP bem distante dos Estados Unidos - lá na Finlândia - a julgar pelas previsões de resultado da cerimônia anual da Hollywood Foreign Press Association (HFPA), agendada para domingo. Alma Pöysti, uma estrela finlandesa de 42 anos, mais conhecida por séries de TV e telefilmes, pode ser a vencedora da láurea concedida pela Associação de Correspondentes de Imprensa em terras hollywoodianas por seu papel em "Folhas de Outono" ("Fallen Leaves"), hoje em cartaz no Rio. A produção - que já, já estará na grade do streaming MUBI - também foi indicado ao Globo dourado de Melhor Filme de Língua Não Inglesa. A indicação consolida a grife autoral do cineasta Aki Kaurismäki, que enxergou em Alma a porta-voz perfeita para sua "comédia triste" sobre a vitória dos derrotados. É a definição dele para seu cinema singularíssimo e para uma atuação em estado de graça.
"Kaurismäki é uma lenda na Finlândia, que filma tudo muito rápido, com uma equipe pequena, de amigos, que se entende num psicar de olhos, num gesto simples. Receber o convite dele era um sonho se realizando", diz Alma em entrevista via Zoom com o CORREIO DA MANHÃ, em um papo organizado pela MUBI. "Ele é um poeta que consegue dizer muito com pouco. As palavras que eu tinha no roteiro não eram muitas, mas indicavam a coragem de uma mulher cujo maior desafio numa Europa em transformação é sobreviver".
Eleito Melhor Filme de 2023 na enquete promovida pela Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica (Fipresci), numa premiação concedida em setembro, durante o Festival de San Sebastián, "Folhas de Outono" começou sua carreira em Cannes, em maio, quando recebeu o Prêmio do Júri. Nele, o diretor de "O Homem Sem Passado" (2002) ensaia fazer uma história de amor rasgada, mas ao modo dele.
"O método de Kaurismäki é 'old school' e é curioso: não se pode olhar para a câmera, não existem ensaios e tudo se resolve num take", disse Alma, na Croisette, ao comentar o roteiro que o cineasta escreveu em 30 horas.
Repleto de alusões à filmografia de Charles Chaplin (o deus de Kaurismäki), "Folhas de Outono" escancara a ferida da Guerra da Urânia. Na narrativa, há um rádio sempre com notícias contra a Rússia ligado na casa da protagonista, Ansa (Alma). Primeiramente, ela nos é apresentada no cargo de funcionária de supermercado. Depois disso, vira faxineira de bar e, por fim, torna-se operária de fábrica. Sua vida é monótona, solitária e embolorada. Até as lasanhas congeladas que compra dão mofo.
"Eu vejo essa mulher como heroína de um conto de fadas, que traz o conflito da Ucrânia como pano de fundo para uma caricatura da vida da Finlândia e seus problemas reais", define Alma, na ativa desde 2004.
Amparado pelo carisma dessa atriz de amplo ferramental cômico, Kaurismäki ensaia uma mudança súbita na rotina de Alma. Seu cotidiano muda quando ela se encanta por um homem que conhece num karaokê, Holappa, vivido pelo brilhante Jussi Vatanen. Ele também se encanta por ela, vive só e carece de um benquerer pra chamar de seu. Seu problema: ele bebe. Bebe muito. Na ciranda entre o álcool e uma paixão verdadeira, o personagem de Vatanen sofre uma reeducação afetiva. E a gente senta no banco escolar da empatia com ele, num filme de que dificilmente se esquece. É a simplicidade a serviço do lirismo.
"Eles se acostumaram a ser sós e traduzem a cumplicidade que alcançam no amor pelo silêncio, sem dizer muito. Nessa convivência eles desistem de ser sós e encontram uma ajuda especial num cãozinho", diz Alma, destacando a presença da mascote pessoal de Kaurismäki em cena. "Cães confortam o vazio dessas pessoas".
No radar de Hollywood após a passagem de "Folhas de Outono por cinemas americanos, Alma enxerga uma dimensão inclusiva na presença do filme no www.mubi.com, que disponibiliza uma mostra de cults de Kaurismäki, como "O Porto" (2011) e "Luzes na Escuridão" (2006).
"A MUBI é uma plataforma incrível por conta de uma curadoria que nos permite grandes descobertas", elogia Alma. "Encontrar o cinema de Kaurismäki ali revela muito sobre a verdade que ele busca em seus filmes".