Sandro Veronese: 'Não é obrigatório inovar a literatura'

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Um dos pilares da prosa europeia contemporânea, o romancista italiano Sandro Veronese celebra a aposta de Kusturica numa maratona que privilegia curtas e fala da força sul-americana nas Letras

 

Autor de "O Colibri" (filmado em 2022 por Francesca Archibugi) e de "Caos Calmo" (levado às telas em 2008, com Nanni Moretti), o escritor e arquiteto florentino Sandro Veronesi repete sempre a influência do peruano Mario Vargas-Llosa em sua decisão de se dedicar à literatura.

Sua passagem pelo resort de Mokra Gora, na Sérvia, como jurado do Festival de Küstendorf, envolve seu trabalho como roteirista e o interesse que seus livros causam na indústria audiovisual de sua Itália natal. Mas esses livros só existem porque ele leu "Conversa no Catedral".

"Vargas Llosa é um inventor e, graças a ele, eu cheguei a outros nomes sul-americanos como Jorge Amado e Gabriel García Márquez", diz romancista de 64 anos, que roteirizou um dos filmes mais disputados do festival sérvio criado pelo cineasta Emir Kusturica: "Comandante". Seu diretor, Edoardo De Angelis, escreveu com Veronesi uma versão romanceada da mesma trama, já à venda no Velho Mundo. O enredo recria a II Guerra Mundial sob os códigos de um filão de gênero que é um imã de sucesso, vide "Maré Vermelha" (1995) e "A Caçada ao Outubro Vermelho" (1990): os filmes de submarino. Mas seu maior chamariz é a atuação do romano Pierfrancesco Favino. Cabe a ele dar vida ao oficial militar Salvatore Todaro (1908-1942), famoso por seu humanismo no mar.

Na entrevista a seguir, Veronesi fala ao Correio da Manhã sobre esse processo criativo no audiovisual, ao mesmo tempo em que disseca seu método de escrita, coroado com láureas literárias como o Prêmio Strega.

O senhor vai julgar os curtas-metragens de Küstendorf ao lado da atriz e modelo sérvia Bojana Panic e e do cineasta uzbeque Muzaffarkhon Erkinov. O que está aprendendo de mais valioso nesse processo com o cinema?

Sandro Veronesi: O aspecto mais singular do festival é a atenção que ele dedica ao formato curta, ressaltando sua importância para o cinema sob a perspectiva de um curador que fez obras-primas. Eu já escrevi roteiros, uns poucos, e vejo no processo uma metodologia bem diferente do processo de escrever um romance. Quando eu fiz "Comandante", com Edoardo De Angelis, em plena pandemia, percebi que muitas boas ideias não estavam nas versões de roteiro que havíamos escrito. Sugeri transformar o que estava pronto num romance. Partimos para a escrita de um livro, com base na história de Salvatore. Foi dessa prosa literária que veio o caminho para o script final.

Uma vez que o senhor falou em "metodologia", na literatura, que procedimentos podem conduzir a novos veios de invenção da prosa?

Não é obrigatório inovar a literatura. Eu não escrevo para inventar nada. Eu não tenho o que inovar num território que foi reinventado por Joyce, por Faulkner, por Proust e, sim, por Vargas Llosa. Minha preocupação é com a palavra precisa. Não sou do tipo de autor que trava por falta de ideias, mas, sim, pela falta do modo certo de compartilhá-las com quem vai ler. Sigo um processo no qual eu leio o que escrevia ainda no computador. Depois, leio de novo numa versão impressa em papel. Mudo o que precisar até chegar a uma terceira etapa: uma leitura em voz alta. O que passa dessa triagem é o livro. Entendo o ato de ler em uma analogia com a estadia num ambiente. Se você entra num determinado ambiente e encontra algo fora do lugar - como um móvel mal posicionado, por exemplo -, isso gera desconforto e te desapega do local. Com a leitura se dá o mesmo. Uma palavra mal posta desconecta o olhar.

Que novo romance o senhor está preparando?

Ele se chama "Setembro Negro", numa alusão aos atentados nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972. A trama não se concentra naquela Olimpíada, mas passa por ela. Devo ter um lançamento no segundo semestre, em outubro.

Como o senhor fala muito em Vargas Llosa, de que maneira a literatura brasileira ocupa sua atenção?

Eu li muito dos peruanos, dos uruguaios e de García Márquez, passando ainda por Borges. Jorge Amado chegou até mim nesse processo. Esses grandes autores da América do Sul, como o time do Realismo Mágico, geraram obras-primas literárias numa época em que a prosa italiana andava mais preocupada em apostar em política do que em investir na força do romance.

De alguma maneira a sua literatura foi modificada pelas novas formas de comunicação que vieram com a internet, seja o Twitter ou as linguagens de YouTube?

O poeta e cineasta italiano Pier Paolo Pasolini escreveu versos que são muito significativos para a maneira como eu lido com a arte: Eu sou uma força do Passado./ Só na tradição está o meu amor./ Venho das ruínas das igrejas/ dos retábulos, das aldeias". Estou com ele. Sou reverente à tradição. Eu escrevo livros para contar histórias que ninguém ainda contou, sem a preocupação em discutir linguagens, em seguir tendências. Existem escritores excelentes que não inovaram nada.