CRÍTICA FILME - VIDAS PASSADAS: Estética do desencontro

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

O abrigo de um abraço em 'Vidas Passadas'

Indicado aos Oscars de Melhor Filme e Melhor Roteiro Original, "Vidas Passadas" tem limpado trilhos nas premiações por onde passa, desde sua primeira exibição, no Festival de Sundance do ano passado, numa proposta ultrarromântica (mas, ao mesmo tempo, desencantada) de reflexão sobre responsabilidades afetivas. Estreia da dramaturga Celine Song na direção de longas-metragens, essa coprodução EUA x Coreia do Sul junta mel e fel em medidas nem sempre proporcionais ao fazer uma triagem dos desencontros da vida.

Embora não seja tão palavroso quanto a estética de Richard Linklater, "Past Lives" (seu título original) tem em si um gostinho de "Antes do Amanhecer" (1995), suspirante cult do artesão indie americano. Celine aposta numa abordagem tão lírica quanto a love story com Julie Delpy e Ethan Hawke, quase tão lírico quanto esse sucesso dos anos 1990. Autora do êxito teatral "Endlings", Celine aposta numa narrativa caramelizada, repleta de elementos biográficos. Em cena, dois amigos de infância chegados à brincadeira de pera, maçã e salada mista na Ásia, quando crianças, Nora (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo), têm um reencontro em Nova York, que vai mexer com o coração de ambos. O problema é ela estar casada, e com um americano (papel do habitualmente insosso John Magaro). Sentimentos antigos despertam entre esses antigos camaradas, mas sob grilhões morais dos limites impostos pelo casamento e por tradições sul-coreanas. Algo se engasga entre os dois, num pacto de silêncio, de cumplicidade.

É esse engasgo que faz o filme brilhar, a partir de diálogos arrebatadores, abrindo precedentes para uma investigação existencial sobre o benquerer. Eles mudaram irremediavelmente desde que se conheceram, em seu país natal, e não há nada a fazer para disfarçar o fato de que já não são os mesmos. Também não há como disfarçar a atração que sentem. Resta saber o quanto eles se sentem completos com o que se tornaram. E o quanto estão dispostos a mudar. Greta e Yoo traduzem essa confusão sentimental com perfeição.