Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Revanche à brasileira

Malu | Foto: Divulgação

Cifras altas na venda de ingressos de um lado e aplausos de plateias estrangeiras do outro: é assim que 2024 começou para o cinema brasileiro, exorcizando as perdas sofridas com a pandemia, quando nossa média de bilheteria desabou.

Nos últimos dias de janeiro, em Park City, Utah, nos EUA, plateias americanas ficaram comovida com o desempenho de uma trinca de nossas melhores atrizes - Yara de Novaes, Juliana Carneiro da Cunha e Carol Duarte - durante a exibição de "Malu", do cineasta Pedro Freire, no Festival de Sundance.

Na trama, Malu, uma atriz desempregada de 50 anos que vive das memórias de seu passado glorioso, divide uma casa em uma favela do Rio de Janeiro com sua mãe conservadora, enquanto também lida com um relacionamento conturbado com sua própria filha.

Poucos dias depois de o público dos Estados Unidos se deslumbrar com a direção de Pedro (conhecido por sua delicadeza desde a projeção do curta "O Teu Sorriso", em Veneza, em 2009), um diálogo de nosso audiovisual com a literatura de Clarice Lispector (1920-1977) arrebatava o Festival de Roterdã, na Holanda, de carona na atuação inflamada de Maria Fernanda Cândido em "A Paixão Segundo GH", de Luiz Fernando Carvalho.

Uma ovação consagrou o deslizamento para a tela dos dilemas existenciais de G.H. Depois de despedir a empregada, ela inicia uma faxina no quarto de serviço e vê uma barata. Enojada do inseto, ela decide esmagá-lo. Nesse gesto, diante da massa pastosa e branca da barata morta, embarca num processo de desmontagem de sua condição humana. É um estudo visceral sobre as agonias da alma feminina.


 

Passageiros do Bonde do Milhão

Os Farofeiros 2 | Foto: Divulgação

Por cá, o signo da sororidade bate forte em circuito exibidor, com poltronas lotadas, na sinergia entre Tatá Werneck e Ingrid Guimarães nas vias da gargalhada.

Tudo indica que "Minha Irmã e Eu" ultrapasse a marca de 2 milhões ingressos vendidos ainda no início desta semana, fazendo do fenômeno dirigido por Susana Garcia o maior sucesso do país nas telas desde "Minha Mãe É Uma Peça 3" (2019), que foi visto por 11,6 milhões de pessoas. Há quem estime a marca de 1.000.000 pagantes para "Nosso Lar 2 - Os Mensageiros" nesta semana, à luz do apelo popular de Renato Prieto (intérprete do espírito André Luiz). Há chances de "Mamonas Assassinos - O Filme" chegar nessa raia milionária também.

O Bonde do Milhão pode se ampliar com a nova parceria entre o roteirista Paulo Cursino e o diretor Roberto Santucci, que Santucci voltam este ano com "Os Farofeiros 2", em março, em fina sintonia com o talento de Paulinho Gogó. No mesmo mês, "Férias Trocadas" - com Edmilson Filho, Carol Castro e Aline Campos - pode bombar também e inflar as poltronas de pagantes, assim como "Evidências de Amor", com Fábio Porchat e Sandy. Espera-se que "Mallandro: O Errado Que Deu Certo", agendado para maio, abra a porta dos desesperados por milhões e devolva ao nosso cinema o gostinho de destronar Hollwyood, à força do carisma de Sérgio Mallandro.

Enquanto os exibidores daqui contabilizam as boas vendas de tíquetes de nossos filmes de tom mais comercial, lá fora, os multiplexes da Europa - e suas salas de complexos dedicados a uma produção menos pop - anseiam pelo bloco brasileiro que esteve ao lado de "A Paixão Segundo G. H." em Roterdã. Na Competição Tigre de Ouro entrou "Praia Formosa", de Julia De Simone. Na Competição Big Screen, Marcelo Gomes (diretor premiado por "Cinema, Aspirinas e Urubus") enveredou pelo universo literário do escritor amazonense Milton Hatoum com "Retrato de um Certo Oriente". Na Mostra Harbour, entraram "Greice", de Leonardo Mouramateus; e "Levante", que rendeu à diretora Lillah Halla o Prêmio da Crítica de Cannes. No dia 15 de fevereiro começa a Berlinale 2024 e vamos estar lá com "Cidade; Campo", de Juliana Rojas (de "Sinfonia da Necrópole"), na mostra competitiva Encontros. A mesma seção oferece brasilidade na coprodução multinacional "Dormir de Olhos Abertos", de Nele Wohlatz.

A esquadra brasileira no Festival de Berlim inclui títulos nas seções Panorama ("Betânia", de Marcelo Botta), Generation ("Lapso", de Caroline Cavalcanti) e Forum Expanded ("Quebranto", de Janaina Wagner). Novas atrações podem (e devem) aparecer nos próximos dias.

Para os próximos festivais estrangeiros do ano, pode (e deve) haver lugar para "Estômago 2 - O Poderoso Chef", de Marcos Jorge. Rodado parte no Brasil, parte na Itália, esta comédia mafiosa resgata personagens do cult de 2007, acompanhando as aventuras do ex-presidiário Raimundo Nonato (João Miguel) na Europa, numa família de gângsters.

Outro potencial ímã de festivais é "A Fúria", de Ruy Guerra, que forma uma trilogia com "Os Fuzis" (1964) e "A Queda" (1978), codirigido por Nelson Xavier. E os dois saíram da Alemanha com Ursos de Prata. Na parte três de seu tríptico, Ricardo Blat assume o papel do operário Mario, que tenta se vingar da opressão capitalista, às voltas com uma filha cheia de ira (Simone Spoladore) e um sogro cheio de ranços (Lima Duarte).

Nesse terreno de grifes autorais, o drama político thriller vencedor do troféu Redentor de Melhor Filme no festival do Rio 2023 pode mobilizar atenções e garimpar palmas: "A Batalha da Rua Maria Antônia", de Vera Egito. Arma-se um teatro de máscaras na trama quando o líder estudantil Benjamim (Caio Horowicz, atômico em sua atuação) aparece no campus da Faculdade de Filosofia da USP para manter seus colegas fora das CNTPs. Ele agita sua turma e outras em meio a uma batalha em outubro do 68. Seus métodos são sedutores, mas, parecem desrespeitar códigos de ética e sentimentos. Benjamin encena um jogo de decapitações com seus companheiros de aula e incomoda, em especial, uma atormentada professora, Leda (Gabriela Carneiro da Cunha, espetacular).

Estima-se que Cannes, em maio, deva receber "Enterre Seus Mortos", com Marjorie Estiano e Selton Mello, que será visto também em "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, com Fernanda Torres e sua mãe, Fernanda Montenegro.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.